quarta-feira, 27 de outubro de 2010

É pra acabar... com o Estado de Direito


Após empate, STF decide que Lei da Ficha Limpa vale em 2010

LARYSSA BORGES

Direto de Brasília
Após cerca de seis horas de julgamento e de novo empate na análise sobre a validade imediata e abrangência da Lei da Ficha, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) consolidaram entendimento de que a legislação com novas regras de inelegibilidade pode ser aplicada e produzir efeitos já em 2010.
Com a decisão já anunciada de ser reconhecida a repercussão geral sobre o caso, todos os candidatos que renunciaram a mandato para escapar de processos de cassação terão o mesmo destino, o de não conseguirem registro para suas candidaturas. A repercussão geral é a medida que determina que juízes de instâncias inferiores sigam o veredicto do Supremo, sem a necessidade de os casos serem remetidos a tribunais superiores.
Situações específicas de outros "fichas sujas", como o deputado Paulo Maluf (PP-SP) e o ex-governador da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB), terão de ser analisados caso a caso se houver recursos ao STF. Isso porque, entre outros pontos, não há posição majoritária dos ministros quanto à necessidade de cumprimento do princípio da anualidade, segundo o qual uma lei que alterar o processo eleitoral não se aplica à eleição que ocorra a menos de um ano da data de sua vigência.
Por sete votos a três, eles votaram por aplicar o artigo 205 do regimento interno do STF no desempate, que prevê que "havendo votado todos os ministros, salvo os impedidos ou licenciados por período remanescente superior a três meses, prevalecerá o ato impugnado", ou seja, a rejeição ao registro de candidatura de Jader Barbalho e a manutenção de decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que defende a aplicação imediata da Lei da Ficha Limpa e a interpretação de que casos passados também estão inseridos nas regras de inelegibilidade previstos na legislação.
Contrário à adoção da decisão do TSE como palavra final, o presidente do Supremo, Cezar Peluso, protestou: "A solução aqui é recorrer à ficção, porque maioria não há. A história nos julgará se acertamos ou não".
A composição original da Suprema Corte é de 11 ministros, mas Eros Grau foi aposentado compulsoriamente em agosto pós ter completado 70 anos de idade, abrindo espaço para um empate.
Ao longo do julgamento, o voto mais duro foi proferido pelo ministro Gilmar Mendes, que chegou a acusar o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de "casuísmo" por aplicar decisões diferentes em casos similares de "ficha suja" e classificar a legislação que estabeleceu novas regras de inelegibilidade como uma tentativa de se ganhar o processo eleitoral "no tapetão". Sua manifestação causou mal estar entre os demais integrantes da Corte - em especial nos que integram o tribunal eleitoral - que protestaram contra as acusações ao TSE.
Ao decidirem sobre a validade da Lei da Ficha Limpa, os ministros julgaram o caso concreto do deputado federal Jader Barbalho (PMDB-PA), que recebeu quase 1,8 milhão de votos nas eleições em que disputou o cargo de senador. Ele teve seu registro de candidatura indeferido como "ficha suja" pelo fato de, em 2001, ter renunciado ao cargo que ocupava como senador para se livrar de um processo de cassação. Entre outras denúncias ele era suspeito na época do desvio de dinheiro do Banpará e, em outra acusação, de desviar recursos da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) para custear um criadouro de rãs. A entidade teria repassado R$ 9,6 milhões para arcar com as despesas do ranário. Pela Lei da Ficha Limpa, a inelegibilidade é de oito anos a contar a partir de quando seria o fim do mandato do político.
Relator do recurso, o ministro Joaquim Barbosa rebateu em seu voto as teses de que a Lei da Ficha Limpa provocaria instabilidade jurídica, violação do princípio da presunção da inocência ou equivaleria a retroagir para prejudicar um político.
"Há de se prevalecer a ótica interpretativa de interesses maiores de toda a comunidade, que coíbam abuso no exercício de funções públicas. A lei complementar 135 Lei da Ficha Limpa se aplica de modo uniforme a todos os participantes da disputa, sem violar o principio da isonomia, e não gerou desequilíbrio entre as forças eleitorais em disputa", opinou Barbosa, enfatizando a importância de se ater aos princípios da probidade e da moralidade pública.

domingo, 24 de outubro de 2010

Paixão, imparcialidade e tolerância

Futebol envolve paixão e um alto grau de irracionalidade - algo muito próximo das posições "políticas" neste segundo turno. E, neste âmbito como naquele, a tolerância dos envolvidos depende da imparcialidade daqueles que ficam "no meio de campo", entre os dois lados.

Fui ver Atlético e Fluminense na Arena da Baixada. E logo nos primeiros minutos percebi que o jogo seria absolutamente irritante. O árbitro da partida e seus auxiliares pareciam determinados a marcar todos os lances em favor do time carioca. A lógica intrínseca do mercado da bola parece ditar todas as decisões em prol das equipes do eixo Rio-São Paulo. Essa postura da arbitragem faz com que os times fiquem mais nervosos, que as disputas de bola fiquem mais acirradas e que a torcida fique a ponto de bala. A absoluta falta de imparcialidade daquele que deve fazer observar as regras do jogo provoca nos apaixonados torcedores uma sensação de estar sofrendo uma grande injustiça, o que acaba levando à intolerância.

Na discussão política em torno do segundo turno destas eleições, a irracionalidade também é a marca. O esvaziamento do debate político em termos morais ou religiosos desloca o centro das discussões e os argumentos sobre a visão de Estado, sobre os programas de governo, sobre as políticas públicas, são substituídos por palavras de ordem e slogans retóricos, como os gritos das torcidas.

Além disso, a disputa eleitoral tampouco tem encontrado atores neutros que zelem pela observância das regras do jogo democrático. As decisões judiciais foram determinantes para que a disputa no Paraná fosse decidida no primeiro turno. Em âmbito nacional. a atuação da Procuradoria Eleitoral tem suscitados críticas pela utilização de diferentes pesos e medidas. Mas um Estado Democrático também se faz com uma imprensa livre e independente, que cumpra sua função social de informar o cidadão. E esse, na minha visão, é o calcanhar de Aquiles da democracia brasileira nesses dias.

As grandes empresas de comunicação se tornaram grandes agências de propaganda nesta campanha. A propaganda eleitoral quase se confunde com a cobertura pretensamente jornalística, com direito, nos últimos dias antes da eleição, a manipulação de imagens e opiniões de peritos. Uma atuação orquestrada entre diversos órgãos, com a escolha dos temas e com o silêncio absoluto sobre outros, quebrado, fracamente, pela liberdade da internet.

Essa irresponsabilidade absoluta, ao arrepio da democracia e do princípio republicano, provoca as paixões e acirra a irracionalidade da disputa. Os dois lados se armam não apenas de argumentos, e a arena política começa a perder espaço para trucagens e difamações. E a torcida acompanha esse movimento, com uma forte diminuição da tolerância.

Com árbitros assim, o que nos resta é torcer para que o jogo termine logo.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão proposta por FKComparato

EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A FEDERAÇÃO INTERESTADUAL DOS TRABALHADORES EM EMPRESAS DE RADIODIFUSÃO E TELEVISÃO – FITERT –, entidade sindical de âmbito nacional com sede em Brasília (DF) e a FEDERAÇÃO NACIONAL DOS JORNALISTAS – FENAJ – , entidade sindical de âmbito nacional com sede em Brasília (DF), vêm, por intermédio de seus advogados (docs. nº ), propor, com fundamento no art. 103, § 2º da Constituição Federal e da Lei nº 12.063, de 27 de outubro de 2009, 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO, pelos argumentos que imediatamente passam a aduzir.

I– LEGITIMIDADE AD CAUSAM DAS AUTORAS

1. Ambas as Autoras são entidades de classe de âmbito nacional (Estatutos anexos), apresentando assim a qualificação necessária à propositura da ação, conforme determinado no art. 103, IX, da Constituição Federal.

2. Demais disso, atuam ambas as Autoras no setor de comunicação social; vale dizer, preenchem o requisito da “pertinência temática”, conforme exigido pela jurisprudência dessa Suprema Corte (ADIN 1.873, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 2/9/1998, Plenário, DJ de 19/9/2003).

II– A COMPETÊNCIA DOS ÓRGÃOS ESTATAIS É UM PODER-DEVER

3. De acordo com o princípio fundamental do Estado de Direito Republicano, o poder político deve ser exercido para a realização, não de interesses particulares, mas do bem comum do povo (res publica). Segue-se daí que toda competência dos órgãos públicos, em lugar de simples faculdade ou direito subjetivo, representa incontestavelmente um poder-dever.

4. Ao dispor a Constituição da República que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário são “Poderes da União, independentes e harmônicos entre si” (art. 2°), ela reforça o princípio que se acaba de lembrar, pois quando os órgãos estatais constitucionalmente dotados de competência exclusiva deixam de exercer seus poderes-deveres, o Estado de Direito desaparece.

5. A garantia judicial específica contra essa grave disfunção estatal foi criada, entre nós, com a Constituição Federal de 1988 (art. 103, § 2°), sendo o seu exercício regulado pela Lei n° 12.063, de 27 de outubro de 2009.

III– CABIMENTO DA AÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

6. O primeiro país a criar esse novo tipo de remédio judicial foi a República Federal Alemã, com a reconstitucionalização do Estado, efetuada após a Segunda Guerra Mundial.

7. A Corte Constitucional Federal alemã fixou jurisprudência, no sentido de que são pressupostos para o ajuizamento da ação de inconstitucionalidade por omissão do legislador (Verfassungsbeschwerde gegen ein Unterlassen des Gesetzgebers): 1) a completa omissão do legislador, quando uma disposição constitucional só se aplica mediante lei; 2) a edição de normas legais impróprias ou deficientes, na mesma hipótese; 3) toda vez que a omissão do legislador torna inefetiva uma norma declaratória de direito fundamental1.

8. Essa jurisprudência da Corte Constitucional alemã é de aplicar-se na interpretação do disposto no art. 103, § 2° da Constituição Federal brasileira, a qual admite o cabimento da ação direta de inconstitucionalidade “por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional”. A diferença, em relação à Alemanha, reside no fato de que no Brasil constitui fundamento da ação, não apenas a omissão inconstitucional do legislador, mas também a do Poder Executivo, no exercício do seu poder-dever de regulação administrativa.

9. De qualquer modo, os pressupostos acima indicados de cabimento da ação de inconstitucionalidade por omissão, tais como fixados pela jurisprudência constitucional germânica, estão presentes nas matérias objeto desta demanda, como se passa a demonstrar.

IV– O OBJETO DA PRESENTE DEMANDA

IV.a) Omissão legislativa inconstitucional quanto ao direito de resposta

10. Dispõe a Constituição Federal em seu art. 5°, inciso V, constante do Capítulo I (Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos) do Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.

11. Tradicionalmente, em nosso País, o exercício desse direito fundamental era regulado pela Lei de Imprensa. Sucede que a última lei dessa natureza, entre nós vigente (Lei n° 5.250, de 9 de fevereiro de 1967), foi revogada com a promulgação da Constituição Federal de 1988, como decidiu esse Supremo Tribunal Federal, ao julgar a arguição de descumprimento de preceito fundamental n° 130, em 19 de abril de 2009.

12. Sucede que, à falta de regulação legal, o direito fundamental de resposta no campo da comunicação de massa acha-se, desde então, gravemente prejudicado.

13. Como cabal demonstração do que se acaba de afirmar, basta transcrever o disposto no art. 30 da revogada Lei n° 5.250, de 1967:

Art. 30. O direito de resposta consiste:

I – na publicação da resposta ou retificação do ofendido, no mesmo jornal ou periódico, no mesmo lugar, em caracteres tipográficos idênticos ao escrito que lhe deu causa, e em edição e dia normais;

II – na transmissão da resposta ou retificação escrita do ofendido, na mesma emissora e no mesmo programa e horário em que foi divulgada a transmissão que lhe deu causa; ou

III – a transmissão da resposta ou da retificação do ofendido, pela agência de notícias, a todos os meios de informação e divulgação a que foi transmitida a notícia que lhe deu causa.

14. De nada vale arguir que, nessa matéria, “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata” (Constituição Federal, art. 5°, §1°). Ninguém contesta que o direito fundamental de resposta continua a ser reconhecido em nosso ordenamento jurídico. O que se assinala é que, na prática, deixou de existir um parâmetro legal para que os tribunais possam decidir se, quando e como tal direito fundamental é efetivamente aplicado.

15. Se, por exemplo, o jornal ou periódico publica a resposta do ofendido em caracteres bem menores que os da matéria considerada ofensiva, ou em seção diversa daquela em que apareceu a notícia a ser retificada, terá sido dado cumprimento ao preceito constitucional? Analogamente, quando a ofensa à honra individual, ou a notícia errônea, são divulgadas por emissora de rádio ou televisão, caso a transmissão da resposta ou da retificação do ofendido for feita em outra emissora da mesma cadeia de rádio ou televisão, ou em programa e horário diversos da transmissão ofensiva ou errônea, terá sido cumprido o dever fundamental de resposta?

16. Há mais, porém. Em quanto tempo está o veículo de comunicação social obrigado a divulgar a resposta do ofendido? Dez dias, um mês, três meses, um ano? É razoável que a determinação dessa circunstância seja deixada ao arbítrio do suposto ofensor?

17. Nem se argumente, tampouco, com o fato de a ausência de norma legal regulamentadora do direito de resposta não impedir o seu exercício por via de mandado de injunção (Constituição Federal, art. 5°, LXXI). 

18. Quem não percebe que esse remedium iuris excepcional não substitui nem dispensa o normal exercício do poder-dever legislativo? Como ignorar que a eventual multiplicação de decisões judiciais de diverso teor, quando não contraditórias, nessa matéria, enfraquece sobremaneira um direito que a Constituição da República declara fundamental; vale dizer, não submetido ao poder discricionário dos órgãos do Estado?

19. Até aqui, no tocante à revogação da lei de imprensa de 1967. 

20. Acontece, porém, que nas décadas seguintes à promulgação daquele diploma legal, passou a ser mundialmente utilizado outro poderosíssimo meio de comunicação de massa por via eletrônica: a internet. Ora, até hoje o legislador nacional não se dispôs a regular o exercício do direito constitucional de resposta, quando a ofensa ou a errônea informação são divulgadas por esse meio. Quando muito, a Justiça Eleitoral procura, bem ou mal, remediar essa tremenda lacuna com a utilização dos parcos meios legais de bordo à sua disposição.

21. Em conclusão quanto a este tópico, Egrégio Tribunal, é flagrante e injustificável a omissão do legislador em regulamentar o direito constitucional de resposta.

IV.b) Omissão legislativa inconstitucional em regular os princípios declarados no art. 221 da Constituição Federal, no tocante à produção e à programação das emissoras de rádio e televisão

22. Nunca é demais relembrar que as emissoras de rádio e televisão servem-se, para as suas transmissões, de um espaço público, vale dizer, de um espaço pertencente ao povo. Com a tradicional concisão latina, Cícero definiu: res publica, res populi.2

23. Eis por que, no concernente aos bens públicos, o Estado não exerce as funções de proprietário, mas sim de administrador, em nome do povo. Da mesma forma, nenhum particular, pessoa física ou jurídica, tem o direito de apropriar-se de bens públicos.

24. Em aplicação do princípio de que o Estado tem o dever de administrar os bens públicos, em nome e benefício do povo, dispõe a Constituição Federal que é da competência da União “explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens” (art. 21, XII, a); competindo ao Poder Executivo “outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal” (art. 223).

25. Fica evidente, portanto, que os serviços de rádio e televisão não existem para a satisfação dos interesses próprios daqueles que os desempenham, governantes ou particulares, mas exclusivamente no interesse público; vale dizer, para a realização do bem comum do povo. E assim sucede porque – repita-se – todo aquele que se utiliza de bens públicos serve-se de algo que pertence ao povo.

26. Nada mais natural, por conseguinte, que na produção e programação das emissoras de rádio e televisão sejam observados os princípios enunciados no art. 221 da Constituição Federal, a saber:

Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I – preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

II – promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

III – regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;

IV – respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

27. Reforçando esse sistema de princípios, a Constituição Federal determina, em seu art. 220, § 3°, inciso II, competir à lei federal “estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente”.

28. Sucede, porém, que, passadas mais de duas décadas da entrada em vigor da Constituição Federal, nenhuma lei foi editada especificamente para regulamentar o disposto em seu art. 221.

29. Nem se argumente, para contestar a ocorrência dessa omissão legislativa inconstitucional, com a permanência em vigor do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei n° 4.117, de 27 de agosto de 1962), promulgado antes do advento do regime militar de exceção. A rigor, a única disposição desse Código, pertinente aos princípios enunciados no art. 221 da Constituição Federal, é a do seu art. 38, alinea h, a qual determina deverem as emissoras de rádio e televisão destinar “um mínimo de 5% (cinco por cento) de seu tempo para transmissão de serviço noticioso”; sem qualquer referência às transmissões com finalidades educativas, culturais ou artísticas.

30. Ora, é altamente duvidoso que a referida norma do Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962 esteja em vigor. Com efeito, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu uma nítida distinção entre o serviço de telecomunicações e o sistema de comunicação social, como se depreende da leitura dos incisos XI e XII, alínea a, do art. 21, bem como do disposto no art. 22, IV. Demais disso, as atribuições anteriormente conferidas ao Conselho Nacional de Telecomunicações (art. 29 da Lei n° 4.117, de 1962) não mais abrangem o setor de comunicação social, em relação ao qual determinou a Constituição fosse instituído, como órgão auxiliar do Congresso Nacional, o Conselho de Comunicação Social.

31. Tampouco vale argumentar, como prova da inexistência de omissão legislativa na regulação do disposto no art. 221 da Constituição Federal, com a Lei n° 9.294, de 15 de julho de 1996, que dispôs sobre restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígenos, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas. Esse diploma legal não se refere ao art. 221, mas sim ao art. 220, § 4° da Constituição Federal.

32. Aliás, para reconhecer a ausência de lei regulamentadora do art. 221, basta atentar para um litígio judicial recente, suscitado a propósito da Resolução-RDC nº 24, de 15 de junho de 2010, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Tal Resolução dispôs “sobre a oferta, propaganda, publicidade, informação e outras práticas correlatas, cujo objetivo seja a divulgação e a promoção comercial de alimentos considerados com quantidades elevadas de açúcar, de gordura saturada, de gordura trans, de sódio e de bebidas com baixo teor nutricional” (doc. anexo).

33. Como sabido, desde 2005 a Organização Mundial da Saúde tem lançado advertências sobre os efeitos nocivos à saúde, provocados pela obesidade, sobretudo entre crianças e adolescentes.

34. A Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação – ABIA ingressou com ação ordinária na Justiça Federal de Brasília contra a ANVISA, pedindo que esta se abstivesse de aplicar aos associados da autora os dispositivos de dita Resolução, em razão de sua invalidade. A MM. Juíza da 16ª Vara Federal do Distrito Federal, em antecipação de tutela, decidiu suspender os efeitos da Resolução perante os associados da autora, com fundamento na ausência de lei específica que autorize a ANVISA a proceder como procedeu (doc. anexo).

35. Em conclusão, passadas mais de duas décadas da entrada em vigor da Constituição Federal, o Congresso Nacional, presumivelmente sob pressão de grupos empresariais privados, permanece inteiramente omisso no cumprimento de seu dever de regulamentar os princípios que regem a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão (art. 221); bem como igualmente omisso no estabelecer os meios legais de defesa da pessoa e da família, quando tais princípios não são obedecidos (art. 220, § 3°, inciso II).

36. Como se isso não bastasse, em 28 de maio de 2002 foi promulgada a Emenda Constitucional n° 36, que acrescentou ao art. 222 o atual parágrafo 3°, com a seguinte redação:

§3° – Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantirá a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais.

37. A lei específica, referida nessa disposição constitucional, tampouco foi promulgada após mais de 8 anos da promulgação da referida emenda.

IV.c) Omissão legislativa inconstitucional em regular a proibição de monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação social

38. Dispõe o art. 220, § 5° da Constituição Federal que “os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio”.

39. Se o combate ao abuso de poder econômico representa entre nós um preceito fundamental da ordem econômica (Constituição Federal, art. 173, § 4°), o abuso de poder na comunicação social constitui um perigo manifesto para a preservação da ordem republicana e democrática. Na sociedade de massas contemporânea, a opinião pública não se forma, como no passado, sob o manto da tradição e pelo círculo fechado de inter-relações pessoais de indivíduos ou grupos. Ela é plasmada, em sua maior parte, sob a influência mental e emocional das transmissões efetuadas, de modo coletivo e unilateral, pelos meios de comunicação de massa.

40. Daí a razão óbvia pela qual a publicidade ou propaganda por via desses canais de transmissão de massa constitui, hoje, o nervo central da atividade econômica (publicidade comercial) e da ação política (publicidade institucional dos órgãos públicos, propaganda eleitoral).

41. O Poder Judiciário está aqui, uma vez mais, diante da imperiosa necessidade de proteger o povo contra os abusos dos detentores do poder. Ora, essa proteção, num Estado de Direito, deve fazer-se primacialmente por meio da legislação, acima da força privada e do abuso dos governantes.

42. Diante dessa evidência, é estarrecedor verificar que a norma de princípio, constante do art. 220, § 5º da Constituição Federal, permanece até hoje não regulamentada por lei. 

43. Não é preciso grande esforço de análise para perceber, ictu oculi, que tal norma não é auto-aplicável. E a razão é óbvia: monopólio e oligopólio não são conceitos técnicos do Direito; são noções, mais ou menos imprecisas, da ciência econômica.

44. Com efeito, para ficarmos apenas no terreno abstrato das noções gerais, pode haver um monopólio da produção, da distribuição, do fornecimento, ou da aquisição (monopsônio). Em matéria de oligopólio, então, a variedade das espécies é enorme, distribuindo-se entre os gêneros do controle e do conglomerado, e subdividindo-se em controle direto e indireto, controle de direito e controle de fato, conglomerado contratual (dito consórcio) e participação societária cruzada. E assim por diante.

45. Quem não percebe que, na ausência de lei definidora de cada uma dessas espécies, não apenas os direitos fundamentais dos cidadãos e do povo soberano em seu conjunto, mas também a segurança das próprias empresas de comunicação social, deixam completamente de existir? Em relação a estas, aliás, de que serve dispor a Constituição Federal que a ordem econômica é fundada na livre iniciativa e na garantia da livre concorrência (art. 170), se as empresas privadas de comunicação social não dispõem de parâmetros legais para agir, na esfera administrativa e judicial, contra o monopólio e o oligopólio, eventualmente existentes no setor?

46. Para ilustração do que acaba de ser dito, é importante considerar a experiência norte-americana em matéria de regulação dos meios de comunicação de massa.

47. Em 1934, na esteira dos diplomas legais editados para combater o abuso de poder econômico (Sherman Act e Clayton Act), foi promulgado o Communications Act, que estabeleceu restrições à formação de conglomerados de veículos de comunicação de massa (jornais e periódicos, estações de rádio, empresas cinematográficas), da mesma espécie ou não, em mais de um Estado. Como órgão fiscalizador, foi instituída a Federal Communications Commission – FCC.

48. Em 1996, no auge da pressão desregulamentadora do movimento neoliberal, o Congresso dos Estados Unidos votou o Telecommunications Act, que eliminou a maior parte das restrições à formação de grupos de controle no setor de comunicações de massa, estabelecidas pela lei de 1934.

49. O resultado não se fez esperar: enquanto em 1983 existiam nos Estados Unidos 50 grupos de comunicação social, menos de 10 anos após a edição do Telecommunications Act de 1996 o mercado norte-americano do setor passou a ser dominado por 5 macroconglomerados de comunicação de massa; os quais diferem entre si unicamente pelo estilo das publicações e transmissões, pois o conteúdo das mensagens divulgadas é exatamente o mesmo.3

50. Ora, o que está em causa na presente demanda não é saber se, no Brasil, já atingimos um grau semelhante de concentração empresarial no campo das comunicações de massa. O que importa e deve ser reconhecido por essa Suprema Corte é que o povo brasileiro, a quem pertence o espaço de transmissão das mensagens de rádio e televisão, já não dispõe, por efeito da escandalosa omissão do Poder Legislativo, do menor instrumento de defesa contra o eventual abuso de poder nesse setor; instrumento de defesa esse que é vital – repita-se – para o regular funcionamento das instituições republicanas e democráticas.

V– O PEDIDO

51. Por todo o exposto, os Autores pedem a esse Egrégio Tribunal, com fundamento no art. 103, § 2° da Constituição Federal, e na forma do disposto na Lei n° 12.063, de 27 de outubro de 2009, que declare a omissão inconstitucional do Congresso Nacional em legislar sobre as matérias constantes dos artigos 5°, inciso V; 220, § 3º, II; 220, § 5°; 211; 222, § 3º, todos da Constituição Federal, dando ciência dessa decisão àquele órgão do Poder Legislativo, a fim de que seja providenciada, em regime de urgência, na forma do disposto nos arts. 152 e seguintes da Câmara dos Deputados e nos arts. 336 e seguintes do Senado Federal, a devida legislação sobre o assunto.

De São Paulo para Brasília, 18 de outubro de 2010.

Fábio Konder Comparato
OAB-SP nº 11.118

Georghio Alessandro Tomelin
OAB-SP nº 221.518

sábado, 16 de outubro de 2010

Pecados eleitorais: entre fogueira e abjuração, por Emerson Gabardo

É vergonhosa a situação a que chegou a disputa eleitoral no Brasil. Aqueles que falavam mal do moralismo conservador norte-americano queimaram a língua. A intolerância não só bateu à nossa porta, como entrou. Estamos à beira de um retrocesso social que deve estar deixando orgulhosos os eficientes herdeiros da inquisição.
Abjuração, segundo o vernáculo, vem de “abjurar”, que por sua vez é o ato de “renunciar à opinião”; abandonar solenemente uma convicção ou crença. A Igreja, durante parte considerável de sua existência, consagrou a prática ao exigir dos propalados “hereges” (todos aqueles que defendiam posições contrárias à oficial) que voltassem atrás no que tinham dito. Tempos obscuros estes em que não se tinha liberdade de pensamento e o irracionalismo dominava a condição humana. Galileu Galilei talvez tenha sido um dos mais famosos hereges que foram obrigados a abjurar para não morrer, renunciando à sua tese de que seria a Terra que girava em torno do Sol e não o contrário, como defendia a Igreja Medieval.
Assim disse o cientista em sua carta de abjuração: “... juro que sempre acreditei e, com o auxílio de Deus, acreditarei no futuro, em tudo a que a Santa Igreja Católica e Apostólica de Roma sustenta, ensina e pratica. Mas como fui aconselhado, por este Ofício, a abandonar totalmente a falsa opinião que sustenta que o Sol é o centro do mundo e que é imóvel, e proibido de sustentar, defender ou ensinar a falsa doutrina de qualquer modo; (...) desejo retirar esta suspeição da mente de vossas Eminências e de qualquer Católico Cristão, que com razão era feita a meu respeito, e por isso, de coração e com verdadeira fé, abjuro, amaldiçoo e detesto os ditos erros e heresias e de uma maneira geral todo erro ou conceito contrário à dita Santa Igreja.”
Este segundo turno eleitoral parece ter como mote um caso de eloqüente abjuração. O retorno de uma mentalidade dogmatista e fartamente irracional não como um detalhe, mas como centro dos debates, é um fato preocupante. No começo, confesso que não dei muita importância ao fenômeno. Mas a coisa tomou proporções inimagináveis para um auspicioso século XXI. De todo modo, estou convicto que não se trata apenas de uma questão de religião interferindo no espaço político. Até porque isso não seria nada incomum ou indesejável à política. Qualquer sistema que se pretenda republicano tem que conviver com todo tipo de influência nas escolhas democráticas. E cada qual tem sua preferência econômica, cultural, ética, ou até mesmo “estética”, para escolher seu representante. Por exemplo, no primeiro turno ouvi uma colega dizer que votaria na Marina porque certa feita encontrou-a no aeroporto e “sentiu de perto seu magnetismo”. Como diria Paulo Francis, waaall...
De fato, o mais importante fator de decisão política é o processo de identificação: na verdade nós votamos, em geral, por duas espécies de razões: por paixão (quando nós temos afinidade pessoal com um candidato) ou por interesse (quando achamos que eleito tal candidato ele vai nos trazer maior vantagem). Posições altruístas e, portanto, preocupadas com “o outro”, ou ao menos com “os demais”, dificilmente condicionam o processo eleitoral. A não ser quando nos propiciam um “engajamento coletivo”; quando nos sentimos unidos às tais “cruzadas contra o mal” que aparentemente jamais deixarão de existir.
O jornalista Decca Aitkenhead bem apontou que na sociedade contemporânea existem situações que nos oferecem uma rara oportunidade de legitimamente odiar alguém; portanto, um voto “contra o aborto” passa a definir você como decente; contra a união homoafetiva, faz você conquistar seu pedaço no paraíso; você torna-se um sujeito melhor e mais reconhecido pela sua comunidade majoritária. Neste ambiente, questões de fundo relativas a sérios e complexos problemas do quotidiano deixam de ser debatidas; tornam-se um dogma. E como todo dogma, ele não está sujeito ao debate político ou à especulação racional. Ele apenas é digno de fé. E não ter fé pode custar uma eleição. Veja-se o conhecido caso do nosso ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que questionado sobre acreditar ou não em Deus embananou-se na resposta e perdeu a eleição para o governo de São Paulo. Não é sem razão que, anos depois, a FHC foi imputada sua mais célebre frase: “esqueçam o que escrevi” – e ganhou a eleição.
                        Nada mais comum do que candidatos mudarem de opinião: antes, durante e após as eleições. Assim como nas novelas, o final feliz depende do gosto do público. Não deixa de ser engraçado ver Serra defendendo a estatização e a implantação de políticas assistenciais de distribuição de renda; assim como é surreal ver Dilma em Aparecida (ao lado do Gabriel Chalita!). E quem de nós pode condenar este “pragmatismo” eleitoral? Afinal, quem vota é o povo. E candidato sincero que ganha eleição, pelo jeito, só o Tiririca.
Mesmo reconhecendo toda esta situação (e sendo bastante compreensivo com ela), o complicado é aceitar que um momento tão importante da democracia brasileira pode não vir a ser decidido pela persuasão racional ou pelo efetivo debate dos mais importantes temas da gestão pública do país. Ainda que o aborto ou a união homoafetiva sejam temas relevantes, tanto sob o aspecto dos direitos fundamentais, quanto do interesse público, por certo, não deveriam ter tal expressão como critério decisório (não são, nem de longe, assuntos dos mais importantes para a nossa sociedade). Principalmente nos termos em que a questão vem sendo “colocada”. Há crianças que estão saindo da missa aterrorizadas com a vilã “matadora de bebês”. E nós já vimos este filme escatológico em oportunidades eleitorais anteriores...
Lançam-se afirmações com pretensão de certeza, com o objetivo de atingir não a inteligência das pessoas, mas a sua sensibilidade. E aquele que for mais eficiente na aplicação midiática desta estratégia tem grandes chances de se eleger. Por certo, isso não contribui em nada para o processo de amadurecimento institucional que o Brasil precisa. Deve haver bons motivos de ordem racional para votar no Serra (ou não); e semelhantes bons motivos para votar em Dilma (ou não). Todavia, temos que partir da dúvida e não da certeza. Mais que isso, temos que fugir do personalismo e debater os diferentes (e são diferentes sim) projetos de desenvolvimento do país, notadamente de acordo com a história de cada grupo político – questionando o que eles fizeram (ou não) para a concretização do objetivo constitucional de estabelecimento de uma sociedade justa, livre e solidária.
Como ensina o professor Luis Carlos Menezes “a dúvida como direito é condição de liberdade”. Ou seja, nós temos que nos defender dos dogmas, pois no plano da sociedade, o dogma gera totalitarismo; no plano das convicções, o dogma gera sectarismo; no plano do conhecimento, o dogma gera obscurantismo; e no plano pessoal (e moral), o dogma gera o preconceito. Seria ótimo se todos nós aprendêssemos esta lição de civilidade política antes de depositarmos nosso voto na urna. Inshalá!

EMERSON GABARDO é Advogado, Doutor em Direito do Estado, Professor de Direito Administrativo da Universidade Federal do Paraná e Coordenador Adjunto do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. (e.gab@uol.com.br)

domingo, 10 de outubro de 2010

Preconceito e constituição, por Vera Karam de Chueiri

Levando a constituição a sério.

O segundo turno para eleição presidencial e, sobretudo, o nível preconceituoso de mensagens que circulam pela internet me provocou a escrever esse texto. Não se trata de uma aula de direito constitucional, pois não teria (como não tenho) tal pretensão e também, o processo de ensino-aprendizagem é algo que extrapola a educação formal e parte dele é resultado das nossas experiências cotidianas. Entretanto, na engrenagem que conheço, teórica e praticamente e que se refere à constituição do Brasil, permito-me falar nos limites desta notícia. A primeira pergunta que devemos fazer é o que uma constituição constitui? Parece redundante, mas não é. Normalmente achamos que a constituição de um país é apenas um texto, entretanto não é. Ela se expressa através de um texto, mas ela é norma e, mais do que isso, um tipo muito especial de norma que fundamenta nossa forma e nosso conteúdo como comunidade política. E como ela fundamenta? No caso brasileiro, dizendo de saída que somos republicanos, federativos e democráticos. E o que tais normas significam? Grosso modo, que nossas razões em comunidade devem ser públicas e não privadas fruto sempre de processos de deliberação que incluam cada vez mais pessoas e vozes, ainda que o custo disso seja, para aqueles que não são republicanos, democráticos e federalistas, um exercício hercúleo de tolerância do outro, este que nunca ou pouco nestes 119 anos de república puderam ser ouvidos.
O que me parece neste segundo turno de eleições presidenciais que está em jogo é o ouvir da voz do outro, ou seja, mais do que a questão política-ideológica, o que me assusta e enoja ao mesmo tempo é o preconceito e a voracidade dos que o professam, sem qualquer constrangimento. Recebi (e continuo recebendo) pela internet mensagens que para dizer o mínimo são anti-republicanas e anti-democráticas, pois significadas por um alto nível de preconceito, sobretudo em relação aos pobres. E, por que isso é, com certeza, o que mais faz mal a uma república, a uma democracia e, assim, ao que nos constitui como comunidade política, sem falar do quanto faz mal à nossa própria constituição como pessoas? Porque o preconceito é a medida dos ódios, do não reconhecimento do outro, da outra face que diferente da nossa deve, por isso mesmo, ser respeitada.
O próprio Cristo lutou contra o preconceito. Paulo, seu apóstolo, era também o homem, igual aos seus semelhantes, mas, ao mesmo tempo, diferente de todos, chamado que foi. Eis a vocação Paulínia, o chamamento, o qual remete ao evento messiânico, isto que interrompe, provoca crise, transforma e por isso gera possibilidades. Conforme Paulo, a vocação messiânica se aplica a qualquer condição (circuncidado ou não, escravo ou homem livre, mulher ou homem) Por isso, ser messiânico ou viver no messias significa antes a expropriação de toda propriedade jurídico-fática e viver messianicamente significa usar e não possuir. Por isso, em uma política messiânica ou na comunidade que virá não cabe qualquer forma de preconceito, especialmente contra os pobres.
E se a política não for essa promessa ela não teria sentido algum. Em nossa história temos uma experiência recentíssima de comunidade e mesmo assim há muito por melhorar. Isto, pois, a participação cidadã dos mais pobres é tão recente quanto a nossa constituição, isto é, apenas 21 anos. Isso, inclusive, porque a constituição, na sua parte final, ao trazer as normas de políticas públicas reafirma a necessidade da erradicação da pobreza, este que é um princípio da constituição e não retórica de governo ou populismo. E é justamente isso que quero reafirmar e que motivou esta escrita, o bolsa-família que é a mais emblemática política pública dos últimos 8 anos de redução das desigualdades, simplesmente realiza o que está na nossa constituição de 88, portanto, gostemos ou não, é algo a que nos obrigamos ao optarmos por uma república e uma democracia melhores. Ou seja, o bolsa-família significa que a constituição foi levada a sério. Já o preconceito, isto que, ao contrário, não é compromisso constitucional, revela a nossa dificuldade em viver em uma comunidade que não mais tem duas entradas: a da frente e a dos fundos.
É preciso lembrar que muitos de nós, como eu, por exemplo, é a segunda geração de imigrantes que saíram das suas terras por força ou dos governos colonialistas que dominaram os seus territórios ou por força de governos autoritários, cujo traço comum era a repugnância às diferenças sociais, econômicas, culturais, étnicas, ideológicas, entre outras. A mesma repugnância que, mutantis mutandis, sentem aqueles que vêem seus “próximos” mais próximos, na medida em que têm acesso a alguns dos confortos que lhes eram exclusivos. Já ouvi dizer que o bolsa-família é a melhor coisa do mundo, afinal o vagabundo não precisa trabalhar. Propus, então, a troca, do seu trabalho pelo bolsa-família, como se esta fosse uma opção. Ora, para além da nossa escolha por este ou aquele candidato é imperioso 1. que levemos a constituição a sério; 2. que lutemos contra qualquer forma de preconceito e que, 3. como Paulo, apostemos na política como um certo messianismo que faz das nossas práticas cotidianas a diferença para a comunidade que virá.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Sobre liberdade de religião

07/10/2010 - 19h31

Conselho Constitucional francês derruba última barreira para proibição de véu islâmico

O Conselho Constitucional da França aprovou nesta quinta-feira a lei que proíbe o uso em lugares públicos de véus islâmicos que cubram total ou parcialmente o rosto da mulher.

A lei, que ainda precisa ser sancionada pelo presidente, foi aprovada apenas com uma pequena modificação: não será aplicada em locais públicos onde ocorram cerimônias religiosas, onde poderia violar o princípio de liberdade religiosa.

A lei estabelece que a mulher que usar o niqab (véu que deixa apenas os olhos de fora) ou a burca (que cobre os olhos com uma espécie de rede) estará sujeita a uma multa de 150 euros (cerca de R$ 348) e poderá ser obrigada a fazer um curso de cidadania francesa.

Já homens que obrigarem mulheres a utilizar esses véus podem ser condenados a multas de 30 mil euros (cerca de R$ 76 mil) e a penas de até um ano de prisão.

As mulheres que forem flagradas desrespeitando a lei não serão obrigadas a tirar o véu na rua, mas terão que ir até uma delegacia para serem identificadas. Turistas também poderão ser multadas.

Recurso e apoio Depois da aprovação pelo Conselho Constitucional, órgão que chancela as decisões do Senado antes de serem assinadas pelo presidente, a lei deverá ser aplicada na França a partir da próxima primavera.

No entanto, um último recurso contra a aplicação da lei ainda é possível na Corte Europeia de Direitos Humanos, em Estrasburgo (leste da França).

O veto tem amplo apoio da população francesa, do presidente Nicolas Sarkozy e de boa parte do governo. O ministro da imigração, Eric Besson, por exemplo, classificou a burca como "um caixão ambulante".

Na França, já era proibido nas escolas o uso de véus, crucifixos, quipás (solidéu usado pelos judeus) e outros símbolos religiosos.

O críticos da lei afirmam que apenas uma minoria das muçulmanas na França usa o niqab ou a burca (2 mil, segundo o Ministério do Interior) e acusam o presidente Sarkozy de, com esta medida, tentar conquistar mais votos da direita do país.

Com a aprovação, a França passa a ser o primeiro país europeu a pôr em prática o veto ao uso do niqab e da burca. Bélgica, Espanha e Holanda também estão discutindo proibições semelhantes.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

As diversas legalidades em matéria eleitoral...

Já defendi que o direito eleitoral brasileiro é quase um common law, um direito construído pelas decisões judiciais, porém se um coerência e sem respeito aos precedentes. Pois mais um indício disso surge agora, em frequentes decisões do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná.
Pois o Código Eleitoral em vigor, Lei n. 4.737/65 (65!!!), tem uma regra que proíbe a divulgação de pesquisa eleitoral nos 15 dias anteriores à eleição (art. 255). Em decisão em mandado de segurança, em  27 de outubro de 1988, o Tribunal  Superior Eleitoral afastou a aplicação da norma por considerá-la contrária à Constituição. 
A Lei n. 11.300/06, uma das mini-reformas eleitorais, previa novamente essa proibição, inserindo o artigo 35-A na Lei das Eleições. Pois a regra foi considerada inconstitucional pelo STF (ADI 3741), em face da “garantia da liberdade de expressão e do direito à informação livre e plural no Estado Democrático de Direito”.
Pois o Paraná não tem pesquisa eleitoral para governador desde 16 de setembro! Argumenta-se falha na composição dos dados (que, no entanto, seguem a mesma metodologia das pesquisas até então divulgadas), fala-se na proteção do eleitor (!) e resguarda-se, assim, o desvio na formação do voto com pesquisas pouco confiáveis. Em face da divulgação das pesquisas anteriores, no entanto, a proibição da divulgação de seis pesquisas, parece pouco consistente com as regras eleitorais.
Pessoalmente, defendo um "período de reflexão" para o eleitor, em que seria proibido qualquer tipo de propaganda eleitoral, direta ou indireta (como pode ser considerada a pesquisa eleitoral, pois também tem a potencialidade de levar à persuasão do eleitor). Porém, esse tempo deve ser previsto em lei e aplicável a todos, indistintamente, sob pena de macular ainda mais o princípio da autenticidade eleitoral.