segunda-feira, 29 de março de 2010

E quem nos salva dos juízes?

Do blog de Andréa Sá, um alerta.

MOÇÃO DE REPÚDIO À INVASÃO DE ÁREA DE FUNDO DE PASTO POR MAGISTRADO


Caros leitores e colegas

repasso mais um absurdo processual para conhecimento de todos.

"Estou cagando e andando para a convenção internacional"
Dr. Eduardo Padilha, Juiz de Direito em Casa Nova, Bahia.

Sexta-feira, dia 5 de março de 2010, a área de fundo de pasto conhecida como Areia Grande foi invadida por pessoas que ocupavam dois carros. A porteira de entrada foi arrombada, tendo sido parcialmente destruída, bem como a casa que tinha servido de moradia a José Campos Braga, conhecido como Zé de Antero, lavrador assassinado em janeiro de 2009, em razão do conflito fundiário instalado na região entre os moradores das comunidades e grileiros de terra.

A INVASÃO gerou apreensão e instabilidade entre os moradores de Salina da Brinca, Jurema, Melancia e Riacho Grande. Os moradores prestaram queixa junto à delegacia local informando o ocorrido.

A Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais (AATR), a Comissão Pastoral da Terra/Juazeiro (CPT), o Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas Agrícolas, Agroindustriais e Agropecuárias dos municípios de Juazeiro, Curaçá, Casa Nova, Sobradinho, Sento Sé (SINTAGRO-BA), e um representante das associações de fundo de pasto se dirigiram ao Fórum local para informar o fato ao Juiz de Direito, Dr. Eduardo Padilha, e pedir providências quanto ao mesmo tendo em vista à tensão gerada.

Surpreendentemente, em conversa com o magistrado, descobriram que se tratava de uma ação orquestrada pelo próprio, em companhia do Promotor de Justiça da comarca, Dr. Sebastião Coelho, de policiais militares, do oficial de Justiça Alberto Rocha, conhecido como Feijão, e de Gileno de Andrade Almeida, que o Juiz informou se tratar de seu segurança pessoal. Sobre Gileno, cabe informar que o mesmo se identifica enquanto representante e sócio dos grileiros.

O motivo de tal invasão, segundo o Juiz, seria a realização de nova inspeção judicial na área. Frise-se que uma inspeção judicial havia sido realizada no dia 19 de fevereiro de 2010, que contou com a participação de um servidor público da Coordenação de Desenvolvimento Agrário (CDA), da AATR, da CPT, do SINTAGRO, bem como os representantes das Associações de Fundo de Pasto.

Como se não bastasse a invasão e a realização de um ato processual sem comunicação ao Estado da Bahia, autor da ação discriminatória em que a inspeção teve curso, e das associações de fundo de pasto, partes no processo, o Juiz expulsou a CPT, o SINTRAGO e o representante das associações, e permaneceu debatendo com a AATR, apontando o seu ponto de vista sobre a ocupação do território tradicional. Segundo ele, a primeira inspeção foi objeto de um "engodo, uma enganação, uma maquiagem", que "um circo foi armado". Alegou que o território não possuía ocupação humana e que a quantidade de animais encontrados, segundo ele, menos de 50 bodes, não justificava a extensão da ocupação. O Juiz, ainda, colocou em dúvida o trabalho realizado pela CDA que atestou a ocorrência de grilagem de terras públicas e a ocupação tradicional das famílias, acusando-a de estar em acordo com as associações na suposta "enganação".

Como contraponto, a AATR argumentou que a ocupação da área se dá sob o regime de fundo de pasto, o que não implica a ocupação humana permanente e que os animais são criados soltos. A AATR informou também que há uma convenção internacional, ratificada pelo Poder Legislativo, que assegura a proteção de tal forma de ocupação tradicional das terras. Foi nesse momento que o magistrado desdenhou de tal instrumento legal e disse: "Estou cagando e andando para a Convenção Internacional".

Diante da argumentação da AATR, o juiz se reconheceu enquanto desconhecedor do regime de fundo de pasto, por nunca ter vivido no campo, mas que, mesmo assim, continuará sustentando o seu entendimento sobre a questão.

Repudiamos a ocorrência de um ato processual que não respeitou o devido processo legal, por contrariar o contraditório e a ampla defesa, o menosprezo do magistrado em relação aos instrumentos normativos de defesa de direitos sociais e em relação à ocupação centenário das comunidades de fundo de pasto.

Pedimos apoio na divulgação desta moção e na luta das comunidades tradicionais pela permanência em seus territórios.

Casa Nova, 11 de março de 2010.

União das Associações de Fundo de Pasto de Casa Nova (UNASF)
Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia (AATR)
Comissão Pastoral da Terra/ Diocese de Juazeiro (CPT)
SINTRAGRO-BA
Articulação do Semi-árido/Casa Nova (ASA)
Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA)
Paróquia São José Operário , Casa Nova

domingo, 28 de março de 2010

De Nelson Rodrigues e Isabela

Festival de Teatro incomum, só vi uma peça, ontem, e graças à generosidade do amigo Tarso. Fomos ver "Memória da Cana", na Arena da Baixada, com o grupo Os Fofos Encenam. A montagem é baseada em "Álbum de Família" de Nelson Rodrigues, mas se passa no agreste. O ambiente é tenso e desconfortável - sentados em arquibancadas, os espectadores estão a centímetros dos atores, em um ambiente dividido por telas, com canas rodeando tudo e com muitas velas. O texto é desconfortável - fala de relações familiares doentias, de inveja e de ódio, de desejo e de morte. Os atores são fenomenais, o ritmo é perfeito e tudo provoca fortes reações. Vale ver. Nem que seja para refletir sobre essa nossa sociedade, arauto da moralidade guiada pelos meios de comunicação, e que gritam pelo linchamento - não apenas moral, linchamento mesmo - daqueles que pretensamente mataram Isabela. Nem que seja para uma auto-análise. Nem que seja para tentar escapar.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Sobre direitos fundamentais

Seguindo as discussões de sala de aula, vale analisar o manifesto contra a publicidade infantil - http://www.publicidadeinfantilnao.org.br/. Não deve demorar, logo aparecem os defensores da liberdade de expressão das empresas fabricantes de brinquedos...

segunda-feira, 22 de março de 2010

Democracia, segundo GM

"Há falta de capacidade dos seguimentos políticos de produzir um consenso sobre questões básicas. Daí a submissão ao Judiciário. Não há no âmbito político instância para solução de conflitos".
Essa a visão de Gilmar Mendes, deixando a presidência do Supremo Tribunal Federal. Consequência disso, talvez, seja a imperiosa implantação do governo dos sábios. Uma supremocracia, com a voz do soberano dizendo "a verdade".

sexta-feira, 19 de março de 2010

Propostas de Gargarella para a democratização republicana

Do site http://seminariogargarella.blogspot.com/

Tomarle examen a los jueces
Publicado por rg

Me parece que el amigo Arballo se equivoca, acá, al salir a respaldar -en principio, aunque no incondicionalmente- la iniciativa de A.Rossi, quien propone tomarle examen a los jueces cada cuatro años. La propuesta de Rossi no nació de una comisión legislativa abocada al estudio del mejoramiento democrático de la institución judicial, sino al calor de una sucia pelea coyuntural ("cómo hacemos para asustar a estos jueces que nos están molestando"). Es decir, se trata de un intento más de "embarrar la cancha," en momentos en que el Ejecutivo se siente acorralado judicialmente. En tal sentido, el "aval jurídico" a la propuesta me parece inoportuno, inapropiado, indebido (igual, gran abrazo al compañero GA, jugador de toda la cancha). Mucho peor cuando se hace un análisis jurídica y políticamente descontextualizado: es un tremendo error leer la propuesta de AR a la luz de nuestra ineficiencia judicial, pero obviando el pequeño dato de que la misma viene apenas días después de otra iniciativa, del mismo sujeto, pidiendo el ingreso de la lupa política (y por qué no, de los servicios de inteligencia ya que estamos), sobre la vida privada de los jueces (dónde veranean, a qué escuelas van sus hijos). Vaya omisión, para los que se quejan de que los juristas no prestamos atención al contexto histórico en el que hablamos.

Pero juguemos un poco el juego: La propuesta de AR, más que inconstitucional, es pro-oligárquica, democráticamente nula (no democratiza un centímetro más el territorio de nuestra vida pública); negativa y amenazadora en términos republicanos (dado que, sin permitir el ingreso de la ciudadanía en ningún momento, lo que hace es abrir una puerta más al control discrecional, del poder, sobre los jueces); y preopotente en términos políticos -ella se inscribe en la táctica pugilística en la que está operando un gobierno que se siente contra las cuerdas. La propuesta de AR mantiene bien firme y cerrado el "corralito político-judicial", que deja al pueblo, siempre, como espectador y ausente frente a lo que hagan las corporaciones políticas, judiciales, económicas, que se disputan el poder.

Me parece que, en lugar de salir a dar oxígeno a las fieras hambrientas de nuestra política -sean del gobierno o de la oposición- deberíamos mantenernos firmes en la defensa incondicional de una mayor democratización de la vida pública.

Acá van algunas propuestas que sí permitirían ganar espacio, en términos democráticos y republicanos, abriéndole la puerta al pueblo, hoy excluído de la política, de la justicia, y de los beneficios económicos que se apropia la elite dominante:

Retomar la Constitución Colombiana de 1863, y dar elecciones presidenciales cada dos años

Volver a dicho constitucionalismo para autorizar al control provincial sobre ciertas decisiones judiciales

Establecer revocatorias de mandatos para todos los cargos políticos, rotación obligatoria en todos los cargos, elecciones anuales, como en la Constitución de Pennsylvania de 1787

Dar espacio a la discusión ciudadana, previo a la aprobación de cualquier ley, como en la Constitución recién citada

Retomar las primeras iniciativas del constitucionalismo peruano, y organizar un Ejecutivo tripartito

Permitir un mayor acceso ciudadano en la elección de los jueces

Recuperar las iniciativas Rooseveltianas destinadas a que el Congreso recupere terreno sobre la "última palabra" judicial

Importar la cláusula "notwithstanding" canadiense, a los mismos efectos

Terminar con los fueros políticos, y darle esos fueros a la ciudadanía (como hiciera, en materia de libertad de expresión, la radicalísima Constitución Colombiana de 1857)

Digo, éstas sólo para empezar por las primeras que me vienen a la cabeza. Si queremos democratizar la sociedad, si queremos más ciudadanía en el poder, si queremos más controles republicanos, si queremos terminar con la plutocracia y la oligarquización del poder, hay cientos de medidas que podemos aconsejar, antes que hacerle el seguidismo a los más burdos Don King de nuestra política.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Sobre a cruzada contra os infiéis

Bem, nada a favor de José Roberto Arruda. Por mim, ele teria sido afastado da vida política após suas lágrimas que se seguiram ao escândalo da violação do painel do Senado. Mas os eleitores do Distrito Federal assim não o quiseram: quiseram-no. Não me chega a ser gratificante a prisão de um governador. Para mim isso é, antes de tudo, algo lamentável. Não a prisão, obviamente, mas existirem motivos para tanto.
Mas, o que me parece uma impropriedade jurídica sem mais é a decretação da perda do mandato de Arruda por infidelidade partidária. Francamente. Certo, penso que a perda de mandato por infidelidade é totalmente inconstitucional, que as resoluções do Tribunal Superior Eleitoral são inconstitucionais, e que o Supremo Tribunal Federal realizou uma mutação inconstitucional. Mas, superando tudo isso por amor ao argumento, deve-se ao menos respeitar as próprias hipóteses da resolução.
Como é que se nega a existência de justa causa para a desfiliação partidária de um cidadão cuja expulsão do partido é anunciada aos quatro ventos antes mesmo de qualquer processo pelos dirigentes partidários, em uma manifestação totalmente incoerente com o nome da agremiação mas muito adequada à sua história?
Nada a favor do Arruda, mas um mínimo de respeito às regras do jogo, em nome de uma democracia tão vilipendiada...

terça-feira, 16 de março de 2010

Diário de viagem - I

Hoje comecei uma viagem por um novo continente. Deparei-me com uma linguagem peculiar, um tanto hermética para mim, e com paisagens estranhas. Novos seres, novas preocupações, novos e velhos autores. Com um guia confiável e com jovens companheiros, a caminho da verdade...
Resolvi acompanhar as aulas de uma disciplina do Mestrado em Ciência Política, para buscar novos olhares sobre o meu futuro tema de pesquisa, a representação política. Pelo visto, não será fácil. A (de)formação que "sofri" pelas leituras jurídicas do mundo e o fomento contínuo de meu espírito crítico pelos professores que passaram pelo meu caminho me tornaram um tanto refratária a determinadas crenças "científicas".
Em primeiro lugar, enfrentarei as questões metodológicas das ciências sociais. Depois Marx, Weber e os elitistas clássicos. Manterei um diário, algo como um caderno de percepções de um viajante em uma terra estranha (embora não tão hostil como eu imaginava), que talvez seja útil para futuros aventureiros.

segunda-feira, 15 de março de 2010

A Constituição da sociedade

Parte dos juristas e dos políticos ainda afirmam a ilegitimidade da Constituição de 1988, seja em face de sua elaboração por um congresso constituinte, com a participação de senadores biônicos, seja por seu texto um tanto quanto "esquizofrênico". Não estou entre eles. A participação popular na Constituinte foi intensa. E o texto é pluralista, e não contraditório.
Essa Constituição traz uma série de valores, e pretende constituir uma comunidade política a partir do seu compartilhamento. E é aqui, me parece, que a Constituição está como uma idéia fora do lugar...
O texto constitucional é pretensioso demais para a sociedade brasileira. Não é fácil para mim admitir isso - otimista convicta e crente na força normativa da Constituição. Mas o péssimo hábito de ler os comentários dos cidadãos às notícias na internet tem me mostrado que ao menos a parcela da sociedade que se manifesta nesses fóruns cibernéticos não merece a Constituição que tem.
Ora defendendo um Estado leniente, ora um governo totalitário, frequentemente desejando o sangue dos homens "maus" (e o que entra nessa categoria é extremamente variável...), quase sempre com um desprezo pelos demais cidadãos e pela classe política, esses comentários mostram que o projeto constitucional, mais do que as barreiras econômicas, precisa vencer obstáculos morais. Não dá para construir uma sociedade livre, justa e solidária com cidadãos que têm como máxima "se o fubá é pouco, meu pirão primeiro".

sábado, 6 de março de 2010

Jurisdição e democracia, o outro lado

Enviado pelo Miguel Godoy, um alerta:


Parceria entre CNJ e CNA: um mau sinal


Por Jacques Távora Alfonsin*


A independência, a autonomia, a imparcialidade, o tratamento igualitário devido a quem comparece em Juízo, conhecido como isonomia no tratamento das partes litigantes, são direitos-deveres dos mais lembrados pelo Poder Judiciário, como garantia do respeito que lhe é devido.

No dia 9 deste fevereiro, um acordo foi assinado pelo presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Ministro Gilmar Mendes (o mesmo que preside o Supremo Tribunal Federal), com a Confederação Nacional de Agricultura (CNA), que desrespeita, flagrantemente, as obrigações públicas derivadas daqueles direitos-deveres.

Segundo se pode ler nos sites de entidades ligadas à CNA, o tal acordo compreende, entre outras coisas, o seguinte: O Observatório das Inseguranças Jurídicas no Campo faz parte do Núcleo de Pesquisas Estratégicas do Instituto CNA e será responsável pelo mapeamento das chamadas "ameaças ao direito de propriedade". As informações, que serão fornecidas pelas federações da Agricultura nos estados e pelos sindicatos do segmento nos municípios, serão consolidadas pela CNA e estarão disponíveis aos órgãos do Judiciário e do Executivo. A idéia é que, a partir dessa rede de informações, o governo e a sociedade tomem conhecimento das iniciativas que coloquem em risco o desenvolvimento econômico e social do país, como as invasões de propriedades públicas e particulares. Os dados compilados pelo Observatório serão divulgados na página da CNA na internet: www.canaldoprodutor.com.br

A partir de agora, então, ao poder de polícia do Estado, ao Ministério Público, e ao próprio Poder Judiciário como um todo, soma-se um outro poder, delegado a uma entidade privada - o de dedurar quantas pessoas ela julga suspeitas de provocar insegurança. Estabeleceu-se uma espécie de "disque denúncia" à disposição de quem quiser preservar a injustiça social que uma entidade patronal, historicamente inimiga das/os agricultoras/es sem terra e da reforma agrária, poder fornecer-lhe os dados capazes de montar um novo panóptico privado que, a seu juízo, criminalize quantas/os a sua idéia estreita, interesseira e preconceituosa de direito e justiça entenda de criminalizar.

Se tudo parasse por aí, o escândalo já seria muito grave, pelo menos para quem respeite de forma efetiva (e não apenas formal e aparentemente) os princípios constitucionais próprios das obrigações públicas acima lembradas. A situação criada pelo tal acordo, entretanto, é muito pior. A CNA é parte litigante, diretamente interessada em ações judiciais atualmente tramitando no Supremo Tribunal Federal, envolvendo interesses públicos relevantes, relacionados, por exemplo, ao Direito do Trabalho e sindical, ao Direito Tributário, ao meio-ambiente e a terras indígenas.

Quem acessa o site do Supremo se surpreende com o número de tais ações, que sobe a centenas, envolvendo interesses difusos, direitos humanos fundamentais de populações inteiras, valores econômicos significativos.

Será que, mesmo sob tal circunstância, o Presidente do Supremo, simultaneamente o mesmo do CNJ, poderia assinar o tal acordo com uma parte que litiga sob sua própria jurisdição? Ficam preservados, depois disso, a independência, a autonomia, a imparcialidade, o tratamento isonômico das partes, o próprio dever de moralidade que a Constituição impõe ao Poder Público, no seu artigo 37?

Sem necessidade de se lembrar o que a Constituição Federal prevê, sobre o CNJ (art. 103-B, parágrafo 4º, inciso I de modo particular), e a lei Orgânica da Magistratura, sobre a conduta das/os juizas/es, basta a leitura do Código de Ética dessas autoridades para que as/os nossas/os próprias/os leitoras/es dêm resposta a tais perguntas.

Já no primeiro artigo desse Código, prevê-se o seguinte: O exercício da magistratura exige conduta compatível com os preceitos deste Código e do Estatuto da Magistratura, norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade, do conhecimento e capacitação, da cortesia, da transparência, do segredo profissional, da prudência, da diligência, da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro.

Sobre independência, o art. 5º prevê: Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos.

Sobre imparcialidade, o art. 8º determina: O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito.

À luz do nosso ordenamento jurídico-ético, assim, é impossível afastar-se a conclusão de que o tal acordo escandaliza de maneira profunda a consciência de qualquer brasileira/o, especialmente pelo fato de ter sido assinado pela mesma pessoa que preside o Supremo Tribunal do país. Reconhece ele numa das partes litigantes perante aquele Tribunal, a portadora de um critério idôneo sobre o que se possa entender por segurança jurídica, ainda mais envolvendo um direito como o de propriedade da terra que, por um capítulo inteiro da Constituição Federal (o que trata da reforma agrária, por exemplo) está sob suspeita de ele mesmo ser o gerador da maior insegurança e infelicidade do povo pobre do país..

De que segurança, mesmo, o STF vai tratar a partir de agora, quando a CNA estiver litigando perante esse Tribunal? Não a pública, aquela que é de todas/os, é bom que se suspeite e frise, mas sim a das/os suas/seus associadas/os, já que ela ganhou status de juíza do que seja segurança.

Quando as/s pobres do Brasil reclamam das sentenças judiciais que já partem do preconceito de elas/es serem criminosas/os não faltam vozes estridentes de contestação. O acordo do CNJ com a CNA, porém, é uma prova eloqüente da verdade que embasa aquela queixa.

A própria época em que o tal compromisso foi assinado chama a atenção para o fato. Há um Plano Nacional de Direitos Humanos recentemente lançado que questiona, justamente, as repetidas violências das execuções judiciais infligidas contra multidões de sem-terra e de sem-teto, que sofrem, não raro, a perda da própria vida nesses embates. O Plano, inspirado em modernas teorias processuais, oferece alternativa que, se for transformada em lei, certamente vai diminuir, talvez eliminar essa mortandade vergonhosa, sem ferir o direito de quem quer que seja.

O compromisso assinado entre os dois Conselhos, então, é sinal de que há uma clara opção de classe público-privada contrária ao tal Plano, visando empoderar, exatamente, as forças políticas contrárias à sua implementação. É um acordo, portanto, manifestamente inconstitucional. Não obstante, foi assinado pelo presidente do Tribunal brasileiro encarregado, justamente, de dizer o que seja ou não constitucional...

O país tem suportado uma injustiça social incompatível com um Estado que, em sua Constituição pelo menos, proclama-se democrático de direito. O CNJ e a CNA ignoram esse caráter, desprezam o poder soberano e constituinte do povo, preservam o que há de pior na cultura jurídica classista que predomina na interpretação das leis, e, em nome da segurança das/os latifundiárias/os, mantém a nossa terra escrava delas/es.

*Jurista e procurador do Estado do Rio Grande do Sul aposentado.

Cada povo tem os "democratas" que merece?

Vale ler, puxado do Blog do Nassif. Aguardo, ansiosamente, uma manifestação sobre as mulheres...

05/03/2010


Cotas raciais: a entrevista de Demóstenes
Do Valor

‘É a ditadura do politicamente correto’, diz Torres

Maria Inês Nassif, de São Paulo

O senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que ficou sob a mira do movimento negro ao defender o fim das rotas raciais para ingresso nas universidades públicas, disse ontem que o país vive a “ditadura do politicamente correto”, defendeu as cotas sociais – que privilegiariam pobres de todas as raças – e afirmou que o ministro Edson Santos, da Secretaria Especial de Igualdade Racial, usa de “desonestidade intelectual” quando afirma que o fim da cota racial irá inviabilizar as demais políticas sociais afirmativas. Em entrevista ao Valor, Torres afirmou que o movimento negro criou index – odeia Gilberto Freire, Darcy Ribeiro e Jorge Amado e “excomunga” a princesa Isabel – e reiterou que não considera a miscigenação brasileira como resultado do estupro e da violência, mas de uma relação consensual entre o branco livre e a negra escrava, “ainda que sob dominação”. O senador não teme prejuízo eleitoral para seu partido decorrente de seu engajamento na tese. Abaixo, a entrevista:
Valor: Em véspera de eleição, o senhor considera popular a posição de combater o uso das cotas raciais nas universidades?
Demóstenes Torres: Se é popular não interessa, interessa o que é certo para o país. Eu defendo as cotas sociais, ou seja, quem é pobre tem o direito a entrar na faculdade por meio do sistema de cotas de até 20%, e o pobre pode ser preto, pode ser negro, amarelo, preto, de qualquer cor. O problema estrutural no Brasil não é o racismo, mas a pobreza. O rico negro sempre teve tranquilamente o seu assento à sociedade. Na época do escravagismo, tínhamos traficantes de escravos negros, senhores de escravos negros e assim por diante. Todo arcabouço jurídico que foi constituído no país foi para acabar com a discriminação, em especial com o racismo. A lei é duríssima. Desde a promulgação da Constituição até agora foram criados 16 diplomas antirracistas. Por que vamos criar uma lei que racializa a sociedade entre negros e brancos? Até porque 87% da população têm sangue negro, mais de 90% têm sangue branco, mais de 60% têm sangue indígena. Como vamos classificar? O Brasil é miscigenado, graças a Deus. Não precisamos criar mecanismos para racializar o Brasil porque o conceito de raça já acabou.
Valor: Como foram as reações a essa posição? O senhor recebeu pressões para recuar?
Torres: Há três anos sustento essa posição. Não existe pressão que me faça recuar do que eu penso, do que eu estudo. Eu sou um estudioso. Eu sou pela cota social, que beneficia todos os pobres independente de sua cor. Sou autor da emenda constitucional que pretende criar a escola integral, pois não existe universidade que cure analfabetismo, ignorância. A cota, mesmo que social, deve ter um efeito limitado para que a educação um dia possa ser elevada a um patamar de excelência no Brasil. Não existe um passe de mágica para isso, existe trabalho.
Valor: Um dos argumentos do ministro Edson Santos em favor das cotas é que o PNAD do IBGE aponta maior pobreza e menos escolaridade entre os negros.
Torres: Dentro do mesmo nível de escolaridade, negro e branco têm o mesmo tratamento. A cota racial tem uma coisa muito grave porque acolhe o negro rico. E como vamos tratar os 19 milhões de brancos pobres no país?
Valor: O sr. expõe isso ao eleitor?
Torres: Claro.
Valor: O que o seu eleitor acha?
Torres: Isso pesa a meu favor. O eleitor entende que não há razão para privilegiar uma cor. Quem é que pode ser contra acudir o pobre? O caboclo pobre, a mistura do europeu com o índio lá do Amazonas, por exemplo, não está nessa cota. Há uma parte expressiva da inteligência brasileira que concorda com esse posicionamento. Cota social é a mais correta, até porque no Brasil não há qualquer possibilidade de fazer uma diferenciação de cor. No Brasil, menos de 6% são pretos conforme a denominação do IBGE. Os pardos, mistura de branco e negro, são em torno de 42%. E isso autodeclarados. Como vamos classificar a cor, qual o critério, vamos olhar para as pessoas e definir? Chega-se ao absurdo de gêmeos idênticos serem considerados um negro e outro, não. Cria-se um tribunal racial dentro da universidade. Estão tentando seguir no Brasil o exemplo fracassado americano. Não quero enfrentamento, apenas quero levar essa discussão para o país: o que melhor para o Brasil, a cota social ou a racial? O reitor da UnB disse que nós poderíamos colocar uma cota de 20% para negros, 20% para pobres e 30% para originários das escolas públicas e isso não é real. O presidente da Associação dos Reitores das Universidades Federais disse, em audiência pública no Senado, que é impossível ter autonomia universitária com algo acima de 20% de cotas, porque o mérito será totalmente escamoteado.
Valor: Outra argumentação polêmica é a de que a miscigenação de se deu sem violência.
Torres: É só ler Gilberto Freire. Querem dar a impressão que no Brasil as negras foram estupradas e a miscigenação se deu de forma violenta. A integração da casa grande e da senzala, ainda que com dominação, foi muito mais consensual do que gostaria o movimento negro. Hoje o movimento negro tem umas pessoas que são odiadas. Gilberto Freire é uma delas. Darcy Ribeiro é outro, dizem que ele é o pirata da antropologia. O Jorge Amado, falam que abate moralmente o negro. Encontraram racismo até na obra “O Lavrador de Café” do Portinari porque coloca o pé do negro muito proeminente.
Valor: Isso é discriminação?
Torres: Estamos vivendo no Brasil na ditadura do politicamente correto. A princesa Isabel é excomungada. Joaquim Nabuco é quase que um pária. Algumas coisas são absolutamente ridículas em termos de pesquisa. Será que é verdade que os negros brasileiros têm menos esgoto que os brancos, ou seja, que o esgoto que passa a céu aberto na casa do pobre ele escolhe a cor?
Valor: A história não justifica uma proteção ao negro?
Torres: Muito antes do Brasil existir, a África já fornecia escravos para o mundo. Isso não quer dizer que devemos ficar contentes, mas não vamos solucionar esse problema aprovando uma legislação racista no Brasil separando os brancos e os negros. Não temo expor a minha opinião.
Valor: O que o senhor acha da nota do ministro, que afirma que uma decisão do STF contrária às cotas pode inviabilizar as demais políticas sociais afirmativas?
Torres: O ministro cometeu um crime de responsabilidade ao enviar esse ofício. Esse argumento foi para criar animosidade em relação a uma posição partidária e em especial a mim. E mais ainda, o ministro está usando todos os recursos que tem o ministério para convocar o movimento social, inclusive patrocinando muita coisa, como eventos, para pressionar o STF . Os ministros do Supremo não podem sofrer pressão. São 11 julgadores que devem julgar com a maior isenção. A argumentação de que uma decisão contrária vai inviabilizar ações afirmativas no Brasil é falaciosa e, além de tudo, uma desonestidade intelectual.
Autor: luizhenriquemendes - Categoria(s): Educação, História, Universidade

sexta-feira, 5 de março de 2010

Gerrymandering interpretativo...

Passei rapidamente os olhos pelas resoluções - ou inúteis ou inconstitucionais - do Tribunal Superior Eleitoral porque algo me atormentava. Ainda devo fazê-lo, por dever de ofício e um tanto por masoquismo, de maneira completa, mas uma coisa eu precisava conferir.
Na terça, dia 02, acompanhei uma parte das discussões sobre a resolução dos atos preparatórios. O ministro Carlos Ayres Britto defendia - como eu defendo - que os partidos políticos que não alcançassem o quociente eleitoral participassem da distribuição das "sobras", as vagas não distribuídas pelo quociente partidário. Ora, parece adequado ao princípio do pluralismo político que o maior número de partidos tenha representantes e que o maior número possível de eleitores consiga transformar sua escolha em representação. O ministro, no entanto, sustentava ser possível alterar essa regra do Código Eleitoral por resolução (é, aquele instrumento jurídico capaz, segundo eles, de mudar até a Constituição). Afirmava que o próprio Código Eleitoral prevê, em seu artigo 111, que se nenhum partido ou coligação alcançar o quociente eleitoral os candidatos mais votados são considerados eleitos. Logo, o Código Eleitoral já admite, segundo o ministro, um tempero à divisão das cadeiras pelo quociente e, portanto, admitiria a alteração.
Não. Não permite. Quando faz a ressalva, o faz expressamente, estabelecendo que isso só ocorre quando nenhum partido alcança o quociente e, obviamente, não se pode fazer a divisão pela regra usual. A leitura "peculiar" do dispositivo não se sustenta, não obstante os imensos esforços do respeitado constitucionalista. Como disse, concordo com a idéia, com o conteúdo. Mas discordo expressamente da forma da mudança proposta, pois ainda insisto em afirmar que as regras eleitorais devem ser alteradas e aprimoradas pelo Poder Legislativo, por força de nossa configuração democrática. Por mais descrédito com as casas parlamentares e por mais argumentos morais que se apresentem, esse é um compromisso democrático.
Enfim, o Tribunal Superior Eleitoral "manteve" as normas do Código Eleitoral em relação à distribuição de cadeiras. Quosque tandem, ninguém sabe.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Minhas teses...

Depois de três meses de silêncio, trabalhando na tese, volto ao blog. Terminei. Segue abaixo sua apresentação.

A tese se denomina Princípios constitucionais estruturantes do Direito Eleitoral e se constitui na identificação desses princípios, a partir das escolhas constituintes que formam o núcleo da Constituição de 1988. Esses princípios são (ou ainda, devem ser) o fundamento da elaboração e da aplicação das normas jurídicas eleitorais.

A pesquisa originou-se da percepção da ausência de consistência e coerência da legislação e das decisões judiciais no âmbito eleitoral. Regras que se sucedem aleatoriamente, sob uma demanda constante de reforma política, decisões conflitantes em um mesmo tribunal (por vezes na mesma sessão de julgamento) e elaboração de normas jurídicas que tolhem direitos fundamentais pelo Poder Judiciário, levaram ao reconhecimento da necessidade de se evidenciarem os fundamentos do Direito Eleitoral brasileiro, a partir do texto constitucional.

Algumas questões emblemáticas atravessam o caminho da elaboração da tese. A decisão do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal sobre a perda de mandato em caso de desfiliação partidária talvez represente de maneira completa a necessidade de enfrentar a assistematicidade das regras eleitorais e da atuação do Poder Judiciário. A decisão ofende diretamente a Constituição, ao estabelecer uma hipótese de perda de mandato não prevista – e historicamente negada. Essa decisão, como a que impôs a verticalização das coligações, a que determinou o número de vereadores e a que quase criou uma hipótese de inelegibilidade (caso dos fichas-sujas), nega a legalidade em matéria eleitoral. Cria um eleitor padrão, estabelece a titularidade partidária do mandato, promove uma situação de insegurança jurídica incompatível com o Estado de Direito.

Esse exemplo demonstra a necessidade de se tratar dos fundamentos constitucionais do Direito Eleitoral, consubstanciados em princípios estruturantes. E é isso que a pesquisa buscou realizar.

O trabalho apresentado se compõe de duas partes. A primeira é formada por premissas que permitem a identificação dos princípios apresentados na segunda parte. Esse conjunto de premissas parte da configuração constitucional estabelecida pelo texto de 1988. Assim, compreende-se o Estado brasileiro como um Estado de Direito, fundado no princípio democrático e no ideal republicano, a partir de princípios estruturantes intangíveis.

A noção de democracia que perpassa a Constituição vai além de uma concepção formal e majoritária. Trata-se de uma democracia deliberativa, inclusiva e pluralista, relacionada com princípios estruturantes do direito eleitoral que a promovem. As regras jurídicas devem se originar do debate parlamentar público e robusto, com a participação efetiva de todos os interessados, E com a representação das diversas correntes de pensamento.

A representação política, juridicamente, não vai além de uma autorização sem que se pré-determine o seu conteúdo para além do disposto no texto constitucional. Não existe uma escolha eleitoral condicionada, um voto “desde que”. A Constituição não reconhece instruções para os mandatários, assim como não prevê formas de ruptura da relação de representação pelos representados. Pela eleição, autoriza-se por prazo certo o exercício do mandato e a atuação do representante é limitada à observância dos dispositivos constitucionais.

O ideal republicano incorporado estabelece deveres para os cidadãos e a responsabilidade pelas decisões políticas. Concebe a liberdade como não-dominação, e não como liberdade absoluta. Traz um substrato comum de valores, mas, em combinação com a democracia deliberativa e pluralista, não se compõe de conceitos fechados.

Os princípios estruturantes do Estado brasileiro são todos intangíveis. Como compõem o núcleo duro da Constituição, dando-lhe identidade, não são alcançáveis sequer pelo poder de reforma. Essa intangibilidade se impõe aos princípios estruturantes gerais – como o Estado Democrático e Social de Direito, a República e o pluralismo – e aos princípios estruturantes setoriais (como a humanidade das penas criminais, a impessoalidade no âmbito administrativo, a anterioridade tributária, a legalidade específica em matéria penal, tributária e eleitoral). São, portanto, limites à deliberação democrática e aos processos formais e informais de mudança da Constituição. A alteração desses princípios mutila a Constituição, destrói seu espírito.

A segunda parte da tese traz os princípios constitucionais estruturantes do Direito Eleitoral que, em seu conjunto, emprestam coerência ao Direito Eleitoral. Os princípios são identificados a partir das escolhas constituintes e das premissas apresentadas na primeira parte e são imodificáveis.

O primeiro princípio constitucional estruturante do Direito Eleitoral é o da autenticidade. Esse princípio impõe uma eleição limpa, liberdade e igualdade de voto, inclusive em relação ao resultado. Exige um sistema efetivo de verificação de poderes e de coibição dos desvios na formação da vontade do eleitor. A autenticidade do voto se relaciona com a liberdade para a formação da opinião e não a uma visão perfeccionista da escolha eleitoral. A veracidade do escrutínio impõe a coibição das fraudes e uma correta compreensão do voto nulo. Da fidedignidade da representação, ainda relacionada ao princípio da autenticidade eleitoral, extrai-se a previsão de hipóteses de inelegibilidade e de incompatibilidade (sempre observando a reserva de lei complementar) e exige-se uma reavaliação das regras de permissão de coligações partidárias.

O princípio da liberdade para o exercício do mandato decorre da configuração deliberativa da democracia brasileira e da definição jurídica do instituto da representação política. Não são admitidas instruções aos mandatários, seja pelos eleitores, seja pelos partidos políticos – ou não haveria espaço para o debate e para a deliberação democrática. A titularidade do mandato é do representante. A fidelidade partidária deve ser compreendida adequadamente, de acordo com o texto de 1988, assim como o papel constitucional dos partidos políticos.

A configuração da democracia e o pluralismo político estruturantes do Estado brasileiro exigem a participação das minorias no debate público e nas instituições políticas, como também a garantia do direito de oposição. Revela-se a adequação do sistema eleitoral proporcional e a inconstitucionalidade do sistema distrital, informado pelo princípio majoritário. O multipartidarismo não é um defeito do sistema, mas uma decorrência do princípio constitucional da necessária participação das minorias. Não se admite, em face dessa exigência, uma cláusula de desempenho, bem como a repartição do direito de antena e do fundo partidário de forma a excluir a possibilidade de efetivo funcionamento das agremiações partidárias menores.

O princípio constitucional da máxima igualdade na disputa eleitoral, decorrência do princípio republicano, da concepção de democracia e do pluralismo, e constante do núcleo duro das escolhas constituintes, impõe a intervenção do Estado – sempre por lei votada regularmente pelo parlamento – para assegurar o equilíbrio no pleito. A liberdade de expressão, tanto dos meios de comunicação social como na propaganda eleitoral, deve ser regulada, em nome da igualdade de oportunidades, e vista sob uma concepção democrática, não puramente individualista. A neutralidade dos poderes públicos e o controle do financiamento das campanhas são decorrências desse princípio, bem como a coibição dos abusos. A exigência da máxima igualdade na disputa eleitoral foi duramente atingida pela emenda 16/97 que incorporou ao texto a possibilidade de reeleição dos chefes do poder executivo. A leitura tímida do Supremo Tribunal Federal em relação à regra de desincompatibilização acentuou a iniqüidade.

O último princípio identificado é o da estrita legalidade em matéria eleitoral, relacionado com os princípios estruturantes do Estado de Direito e da democracia pluralista. Exige-se, em matéria eleitoral como em matéria tributária e penal, que as regras do jogo sejam determinadas por lei formal do parlamento, um parlamento constituído pelo princípio proporcional e com amplo espaço de debate público. A anterioridade exigida pelo artigo 16 da Constituição deve ser compreendida em seu sentido mais amplo, incorporando toda alteração das normas eleitorais, sob pena de enfraquecimento do comando constitucional. Não há, pelo texto constitucional, competência regulamentar da Justiça Eleitoral. A legislação infra-constitucional prevê a expedição de instruções, que são regramentos internos à Administração, sem capacidade de alcançar para além de seus agentes. No entanto, considerando-se a possibilidade de a Justiça Eleitoral editar resoluções, elas devem ser reduzidas a regulamentos de execução, sem quaisquer possibilidades de extrapolar a lei a ser regulamentada, simplesmente consolidando a legislação eleitoral sobre cada assunto, sem apresentar novas exigências ou restringir direitos.