quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Os meios de comunicação e as campanhas eleitorais: o (mau) exemplo do Equador


Enquanto não começamos a discussão sobre o Conselho de Comunicação Social nem sobre a regulamentação dos meios de comunicação – em face da grita que se estabelece cada vez que isso vem à tona – talvez seja necessário tratar deste assunto sob outro ponto: a influência dos meios de comunicação nas campanhas eleitorais.
Não estou querendo dizer que há um brado retumbante pelo aumento das restrições, longe disso. Aliás, os meios de comunicação são ávidos por xerifes em terreno alheio – veja-se o apoio ao poderes do Conselho Nacional de Justiça – mas em sua própria esfera defendem sua atividade como imune a intervenções. Um discurso de liberdade absoluta de expressão, que começa a tomar contornos mais dramáticos por episódios inesperados, como no recente caso do Big Brother Brasil.
O fato é que, no entanto, a Constituição – e afinal, para que serve uma Constituição? – estabelece contornos para a comunicação social, a partir dos princípios constitucionais, dos direitos fundamentais e do capítulo específico sobre o tema. Pelo texto constitucional, há princípios a serem observados pela produção e programação das emissoras de rádio e televisão e previsão de lei regulamentadora. Esse, no entanto, é outro assunto, que deverá ser discutido em breve.
Os meios de comunicação atuam nas campanhas eleitorais. Ditam os temas a serem debatidos – como comprovou a última eleição presidencial – e constroem e desconstroem candidaturas. Viabilizam candidatos, como ocorreu com o ex-presidente Fernando Collor, e inviabilizam outros, como outros tantos.
A Lei das Eleições prevê restrições genéricas a esta atuação, na figura do uso indevido dos meios de comunicação social. Uma das vedações constantes no art. 45 da Lei n. 9504/97 é “veicular ou divulgar filmes, novelas, minisséries ou qualquer outro programa com alusão ou crítica a candidato ou partido político, mesmo que dissimuladamente, exceto programas jornalísticos ou debates políticos”, a partir de 1º de julho do ano da eleição (sim, agora pode). O mesmo artigo veda, no mesmo prazo, às emissoras de rádio e televisão difundir opinião contrária ou favorável a candidato ou partido e dar tratamento privilegiado a candidato ou partido (e agora, pode, em face do seu regime jurídico?).
A questão central aqui é como configurar o uso indevido dos meios de comunicação. Como comprovar a alusão ou crítica a candidato em uma obra que se diz de ficção? Como demonstrar o tratamento privilegiado em face da seleção de notícias e enfoques possíveis para se transmitir a informação? Pois o Equador – ou ao menos uma pessoa lá – resolveu resolver o problema.
A Assembleia Nacional equatoriana aprovou uma reforma no Código da Democracia - Ley Orgánica Electoral y de Organizaciones Políticas, que excetua em casos extraordinários a publicidade institucional na campanha eleitoral, exigindo, no entanto, a anuência do Conselho Nacional Eleitoral para a sua veiculação. Também intensifica as restrições nas 48 horas antes da eleição (período de reflexão), mas nada muito distinto do que temos por aqui.
Segundo a Constituição do Equador de 2008, como aqui, o Presidente da República participa necessariamente do processo legislativo, apreciando o projeto de lei aprovado pelo parlamento para sancioná-lo ou vetá-lo (art. 137, III). Diferentemente daqui, no entanto, se o Presidente veta totalmente o projeto de lei, o Parlamento pode voltar a considera-lo somente após um ano, e necessitará de dois terços dos parlamentares para derrubá-lo (art. 138. I). Em caso de objeção parcial, o Presidente pode apresentar um texto alternativo ao aprovado pela Assembleia, que será submetido ao Parlamento em trinta dias, para ratificar o texto alternativo por maioria simples ou manter o texto original por dois terços dos membros (art. 138, II e III). Se não há manifestação da Assembleia Nacional, considera-se aprovado o texto alternativo apresentado pelo Presidente (art. 138, IV).
Pois o Presidente do Equador utilizou-se da prerrogativa de apresentação de texto alternativo na reforma do Código da Cidadania. E provocou a preocupação dos meios de comunicação social. Agregou às restrições à propaganda eleitoral no período de campanha, a promoção direta ou indireta pelos meios de comunicação, através de reportagens, especiais ou qualquer outra forma de mensagem, que tenda a incidir a favor ou contra determinado candidato, preferências eleitorais ou teses políticas (texto alternativo à reforma do artigo 203 do Código da Cidadania). Até aqui, nada além do que o texto da Lei das Eleições brasileira determina, embora o histórico dos embates no Equador durante a campanha presidencial de 2009 sugira que a aplicação do dispositivo se dê de maneira mais enfática.
O presidente apresentou ainda, ao lado de outros menos relevantes para o debate aqui apresentado, texto alternativo à reforma do artigo 207, no que tange ao período de reflexão. A exposição de motivos afirma a necessidade de incluir os meios de comunicação na proibição de indução ou influência da decisão eleitoral durante as 48 horas anteriores ao pleito. E proíbe “la difusión de cualquier tipo de información dispuesta por las instituciones públicas, así como la difusión de publicidad electoral, opiniones o imágenes, en todo tipo de medios de comunicación, que induzcan los electores sobre una posición o preferencia electoral”.
Para a Sociedad Interamericana de Prensa, trata-se de um ataque direto à liberdade de imprensa e de expressão e ao direito de informação do público. Tal proibição alcançaria assim toda análise, comentário, informação sobre assuntos eleitorais. A partir do caso brasileiro, no entanto, com restrições aproximadas, tal temor mostra-se infundado. Novamente há que se fazer referência ao contexto equatoriano e, de maneira ainda mais incisiva, aos superpoderes que a Constituição dá ao seu presidente.
Finalmente, há que se falar sobre a aplicabilidade de tais modificações, que não alcançaram quórum na Assembleia Nacional para serem afastadas. Elas devem entrar em vigor no dia 04 de fevereiro. As eleições presidencial e legislativas estão previstas para janeiro de 2013. Como aqui, as mudanças na lei eleitoral só podem ser aplicadas às eleições que ocorram um ano após sua entrada em vigor.  Mas enquanto aqui se modifica o alcance do termo “processo eleitoral” para ora aceitar modificações, ora vedá-las,  lá o Conselho Nacional Eleitoral pode postergar as eleições para que a nova regulamentação se aplique.
O Equador, enfim, não é um exemplo a ser seguido. Mas devemos discutir uma lei dos meios de comunicação, a regulamentação da publicidade institucional e a influência dos meios de comunicação nas campanhas. De forma democrática.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Outra peculiar visão de democracia

Bem, vamos lá para mais uma do Min. Lewandowski, pois ainda não tive tempo de analisar o voto do Min. Joaquim Barbosa na questão da Lei Ficha Limpa.
Pois o Ministro presidente do Tribunal Superior Eleitoral, que afirmou há dias que a democracia brasileira está consolidada, animado com o plebiscito no Pará, decidiu que estava na hora de fazermos mais consultas populares. E em entrevista de ontem, disse que o povo brasileiro pode se manifestar sobre temas polêmicos como "liberalização da maconha, aborto de anencéfalos e união homoafetiva" junto com as eleições de 2012, pois “são questões relativamente simples, no que diz respeito à consulta. Podem ser respondidas com “sim” ou “não””.
Em primeiro lugar, se a consolidação da democracia está relacionada à participação monossilábica da população, estamos diante de uma visão absolutamente limitada de democracia. Algo que não se coaduna com o ambicioso desenho constitucional da democracia brasileira, que exige um debate público e robusto, de caráter republicano, com amplo espaço de discussão. Não me parece desejável que em menos de um ano se reduza artificialmente a complexidade das decisões políticas para uma manifestação do voto na urna. Como sempre, utilizo a imagem daquela cabine nos antigos programas do Silvio Santos em que o indivíduo apenas pode dizer "sim" ou "não" sem saber antecipadamente as consequências da sua escolha.
Ainda, os temas apresentados pelo Min. Lewandowski como aptos a serem respondidos com "sim" ou "não" são questões que não podem ser colocadas na arena democrática, pois não aceitam mais de uma resposta. Se uma das respostas é inadmissível em face dos princípios constitucionais, a pergunta não pode ser feita. A democracia que merece este nome garante que cada um tenha seus juízos próprios de moralidade pessoal. A democracia não aniquila o espaço de autonomia individual, nem pode abarcar todas as opções e possibilidades individuais. O debate político e a definição por decisões coletivas limitam-se às instituições e prescrições de condutas necessárias para a convivência social que assegure tratamento com igual consideração e respeito a todos os cidadãos, na dicção de Ronald Dworkin. Há, portanto, questões que não são – e não podem ser – colocadas no debate democrático. Há temas, como os apontados pelo Ministro, que a deliberação democrática não alcança, pois estão para além do espaço de determinação coletiva. Ou não há democracia, mas ditadura da maioria.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

E isso pode, Arnaldo?

Ainda não vim comentar o voto do Min. Joaquim Barbosa e nem a emenda ao voto do Min. Luiz Fux na análise da constitucionalidade da Lei Ficha Limpa. Ainda sem tempo e paciência. Mas outro Ministro anda, uma vez mais, fazendo das suas. Não contente em estabelecer o número mágico de partidos para o Brasil (eleitor pra quê?), agora o Min. Lewandowski diz que o TSE pode realizar uma consulta popular ao ano. Isto, até reforma ou mutação (in)constitucional, quem decide é o Congresso (ainda que eu ache que deveria ser o povo). Certamente o ministro tem em mente quais as perguntas devem ser feitas. Quem sabe até as respostas que devem ser dadas. Quosque tandem?

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Promessa

Estou devendo a análise do voto do Min. Joaquim Barbosa na ADC da Lei Ficha Limpa. Até o final de semana devo fazer. Preciso tempo e paciência e estou sem nenhum deles agora.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Experiências acadêmicas

Nesta vida de professora, alguns momentos são tão especiais que preciso compartilhar. Para mostrar que nossa rotina não são apenas aulas e provas e trabalhos e prazos. Sempre há lugar para a experimentação, para (tentar) trazer os alunos para pensar o Direito, sobre o Direito e pelo Direito.
Nesse fim de semana tive uma dessas oportunidades, de me maravilhar com o magistério. Os alunos da Unibrasil realizaram um julgamento simulado de controle de constitucionalidade. Tiveram que estudar não apenas a teoria do controle de constitucionalidade e sua regulamentação constitucional, como também o rito legal e regimental.
A ação escolhida foi a arguição de descumprimento de preceito fundamental, em face de sua potencialidade de fomentar discussões polêmicas. E o tema, decidido pelos alunos de iniciação científica, foi a descriminalização do uso da maconha, com o pedido de uma interpretação conforme à Constituição do artigo 28 da Lei nº 11.343/06.
Na tramitação e no julgamento evidenciou-se a atenção dada ao tema pelos participantes. As petições, os pareceres e os votos deixaram transparecer a pesquisa realizada sobre o tema.  Quem sabe com mais algumas destas conseguimos capturar mais alunos para as sendas do Direito Público.
E o resultado? Bem, por maioria de votos, foi decidida a total liberalização da maconha, mas apenas para fins medicinais.


quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Impressões sobre o julgamento da Lei Ficha Suja, parte I - quem olhará por nós?

Aguardado ansiosamente (ao menos por mim), iniciou-se ontem o julgamento das ações de controle de constitucionalidade da Lei Complementar nº 135/2010, a famigerada Lei Ficha Suja, ou Ficha Limpa, dependendo de quem fala.
O Ministro Luiz Fux, relator, manifestou-se pela improcedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade da inelegibilidade por exclusão do exercício da profissão por decisão do órgão profissional competente em razão de infração ético-profissional, por oito anos, independentemente de decisão judicial (menos ainda transitada em julgado). O ministro faz ressalva à desproporcionalidade dos oito anos de inelegibilidade cominada após o cumprimento da pena por determinados crimes, propondo que seja considerado o período entre a condenação e o trânsito em julgado da sentença.  Fala, ainda, em necessária flexibilização do princípio da presunção de inocência em matéria eleitoral. Alega que a previsão constitucional de lei complementar sobre inelegibilidades, com os bens jurídicos a serem protegidos, autoriza hipóteses sem o trânsito em julgado. O relator utilizou-se da ponderação e da proporcionalidade e afirmou que declarar inconstitucional a lei seria afrontar a "própria democracia à custa do abuso dos direitos políticos". O Ministro Joaquim Barbosa pediu vista e suspendeu-se o julgamento.
Temo por essa leitura iniciada pelo Ministro Fux. A inelegibilidade pode ou não ser uma sanção, mas nas modificações trazidas pela Lei Complementar nº 135 sempre estamos diante de inelegibilidades sancionatórias, decorrentes de condutas socialmente reprováveis. Assim, me parece de todo inconcebível afastar a exigência, em qualquer caso, de decisão judicial e transitada em julgado. Menos ainda deve ser aceita a possibilidade de atingir fatos anteriores a sua entrada em vigor. Os direitos políticos são direitos fundamentais e sua restrição deve ser justificada não só perante a vontade democrática mas também em face da Constituição, sob pena de entornarmos o constitucionalismo no caldo majoritário (e neste caso, assinale-se, nem isso pode ser efetivamente afirmado). Se assim não for, não há justificativa para o controle de constitucionalidade.
Se hoje, a partir de uma visão perfeccionista da política e dos políticos (mas não do eleitor, tido como incapaz), o Supremo Tribunal Federal permite uma ponderação da moralidade com o Estado de Direito, pouco restará para a proteção das garantias constitucionais.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

O voto impresso, o STF e a urna eletrônica



Ontem o Supremo Tribunal Federal decidiu suspender liminarmente a exigência do voto impresso para as eleições de 2014, na ADIn 4543 proposta pelo Procurador-Geral da República. A decisão, unânime, afirma que o voto impresso com a identificação digital poderia ofender o sigilo do voto.
Ok, me parece um argumento razoável. Não poderia, de modo algum, haver algum tipo de marcação na cédula impressa que permitisse, de alguma forma, a identificação do eleitor, direta ou indiretamente. Segundo a Advocacia-Geral da União, a identificação se refere à urna e não ao eleitor. 
A relatora, Ministra Cármen Lúcia, concede a liminar afirmando a proibição do retrocesso em relação ao direitos políticos, que o sistema conta com "segurança incontestável, como demonstrada centenas de vezes e invulnerável como comprovado”. Algumas passagens dos votos falam em prestação de contas do eleitor com o candidato. Sobre a auditoria necessária em algumas urnas, a relatora afirmou: "Com a obrigatoriedade da auditoria, poderá haver uma demora significativa para a proclamação dos resultados e a indefinição tem custo imensurável para o país". 
Hipérboles à parte, não vejo muitos problemas na demora em algumas horas para a divulgação do resultado. Mas corro o sério risco de restar isolada. Também não vejo como os mesmos argumentos de possibilidade de quebra do sigilo do voto não são considerados em relação à urna eletrônica. Não estou afirmando que há identificação do voto de cada eleitor no sistema eletrônico de votação atualmente adotado. Desconfio, apenas, que pode haver, pois temos um sistema em que o número do título de eleitor é que libera a máquina de votar. 
E todos falaram no custo da implantação do voto impresso. Ora, ora. O custo da votação e da apuração nunca foi um elemento levado em consideração pela administração eleitoral. Pensem, por exemplo, na urna eletrônica e sua substituição frequente por novas máquinas. E na identificação biométrica, que tem como frágil argumento evitar que uma pessoa vote em lugar de outra. Que é crime, segundo o Código Eleitoral. E que tem uma ocorrência muito pequena em face do eleitorado brasileiro. Não obstante - e sem entrar na discussão sobre a sociedade de controle - está sendo realizada a identificação biométrica com altos custos de recadastramento e de adaptação das urnas eletrônicas. 
O voto impresso pode ser inconveniente, principalmente para a Justiça Eleitoral. Mas não tem vício de inconstitucionalidade. Ou melhor, não é inconstitucional.