Enquanto não começamos a discussão sobre o Conselho de
Comunicação Social nem sobre a regulamentação dos meios de comunicação – em
face da grita que se estabelece cada vez que isso vem à tona – talvez seja
necessário tratar deste assunto sob outro ponto: a influência dos meios de
comunicação nas campanhas eleitorais.
Não estou querendo dizer que há um brado retumbante pelo
aumento das restrições, longe disso. Aliás, os meios de comunicação são ávidos
por xerifes em terreno alheio – veja-se o apoio ao poderes do Conselho Nacional
de Justiça – mas em sua própria esfera defendem sua atividade como imune a
intervenções. Um discurso de liberdade absoluta de expressão, que começa a tomar
contornos mais dramáticos por episódios inesperados, como no recente caso do
Big Brother Brasil.
O fato é que, no entanto, a Constituição – e afinal, para
que serve uma Constituição? – estabelece contornos para a comunicação social, a
partir dos princípios constitucionais, dos direitos fundamentais e do capítulo
específico sobre o tema. Pelo texto constitucional, há princípios a serem
observados pela produção e programação das emissoras de rádio e televisão e
previsão de lei regulamentadora. Esse, no entanto, é outro assunto, que deverá
ser discutido em breve.
Os meios de comunicação atuam nas campanhas eleitorais.
Ditam os temas a serem debatidos – como comprovou a última eleição presidencial
– e constroem e desconstroem candidaturas. Viabilizam candidatos, como ocorreu
com o ex-presidente Fernando Collor, e inviabilizam outros, como outros tantos.
A Lei das Eleições prevê restrições genéricas a esta
atuação, na figura do uso indevido dos meios de comunicação social. Uma das
vedações constantes no art. 45 da Lei n. 9504/97 é “veicular ou divulgar
filmes, novelas, minisséries ou qualquer outro programa com alusão ou crítica a
candidato ou partido político, mesmo que dissimuladamente, exceto programas jornalísticos
ou debates políticos”, a partir de 1º de julho do ano da eleição (sim, agora
pode). O mesmo artigo veda, no mesmo prazo, às emissoras de rádio e televisão
difundir opinião contrária ou favorável a candidato ou partido e dar tratamento
privilegiado a candidato ou partido (e agora, pode, em face do seu regime jurídico?).
A questão central aqui é como configurar o uso indevido dos
meios de comunicação. Como comprovar a alusão ou crítica a candidato em uma
obra que se diz de ficção? Como demonstrar o tratamento privilegiado em face da
seleção de notícias e enfoques possíveis para se transmitir a informação? Pois
o Equador – ou ao menos uma pessoa lá – resolveu resolver o problema.
A Assembleia Nacional equatoriana aprovou uma reforma no
Código da Democracia - Ley
Orgánica Electoral y de Organizaciones Políticas, que excetua em casos
extraordinários a publicidade institucional na campanha eleitoral, exigindo, no
entanto, a anuência do Conselho Nacional Eleitoral para a sua veiculação.
Também intensifica as restrições nas 48 horas antes da eleição (período de
reflexão), mas nada muito distinto do que temos por aqui.
Segundo a Constituição do Equador de 2008, como aqui, o
Presidente da República participa necessariamente do processo legislativo,
apreciando o projeto de lei aprovado pelo parlamento para sancioná-lo ou
vetá-lo (art. 137, III). Diferentemente daqui, no entanto, se o Presidente veta
totalmente o projeto de lei, o Parlamento pode voltar a considera-lo somente
após um ano, e necessitará de dois terços dos parlamentares para derrubá-lo
(art. 138. I). Em caso de objeção parcial, o Presidente pode apresentar um
texto alternativo ao aprovado pela Assembleia, que será submetido ao Parlamento
em trinta dias, para ratificar o texto alternativo por maioria simples ou
manter o texto original por dois terços dos membros (art. 138, II e III). Se
não há manifestação da Assembleia Nacional, considera-se aprovado o texto
alternativo apresentado pelo Presidente (art. 138, IV).
Pois o Presidente do Equador utilizou-se da prerrogativa de
apresentação de texto alternativo na reforma do Código da Cidadania. E provocou
a preocupação dos meios de comunicação social. Agregou às restrições à
propaganda eleitoral no período de campanha, a promoção direta ou indireta
pelos meios de comunicação, através de reportagens, especiais ou qualquer outra
forma de mensagem, que tenda a incidir a favor ou contra determinado candidato,
preferências eleitorais ou teses políticas (texto alternativo à reforma do
artigo 203 do Código da Cidadania). Até aqui, nada além do que o texto da Lei
das Eleições brasileira determina, embora o histórico dos embates no Equador durante
a campanha presidencial de 2009 sugira que a aplicação do dispositivo se dê de
maneira mais enfática.
O presidente apresentou ainda, ao lado de outros menos
relevantes para o debate aqui apresentado, texto alternativo à reforma do
artigo 207, no que tange ao período de reflexão. A exposição de motivos afirma
a necessidade de incluir os meios de comunicação na proibição de indução ou
influência da decisão eleitoral durante as 48 horas anteriores ao pleito. E proíbe
“la difusión de cualquier tipo de información dispuesta por las instituciones
públicas, así como la difusión de publicidad electoral, opiniones o imágenes,
en todo tipo de medios de comunicación, que induzcan los electores sobre una
posición o preferencia electoral”.
Para a Sociedad Interamericana de Prensa, trata-se de um
ataque direto à liberdade de imprensa e de expressão e ao direito de informação
do público. Tal proibição alcançaria assim toda análise, comentário, informação
sobre assuntos eleitorais. A partir do caso brasileiro, no entanto, com
restrições aproximadas, tal temor mostra-se infundado. Novamente há que se
fazer referência ao contexto equatoriano e, de maneira ainda mais incisiva, aos
superpoderes que a Constituição dá ao seu presidente.
Finalmente, há que se falar sobre a aplicabilidade de tais
modificações, que não alcançaram quórum na Assembleia Nacional para serem
afastadas. Elas devem entrar em vigor no dia 04 de fevereiro. As eleições
presidencial e legislativas estão previstas para janeiro de 2013. Como aqui, as
mudanças na lei eleitoral só podem ser aplicadas às eleições que ocorram um ano
após sua entrada em vigor. Mas enquanto
aqui se modifica o alcance do termo “processo eleitoral” para ora aceitar
modificações, ora vedá-las, lá o
Conselho Nacional Eleitoral pode postergar as eleições para que a nova
regulamentação se aplique.
O Equador, enfim, não é um exemplo a ser seguido. Mas devemos
discutir uma lei dos meios de comunicação, a regulamentação da publicidade institucional
e a influência dos meios de comunicação nas campanhas. De forma democrática.