domingo, 27 de fevereiro de 2011

Inclusão tecnológica e desenvolvimento democrático

Nesta semana que passou aconteceu o I Congresso da Rede Docente Eurolatinoamericana de Direito Administrativo na PUC/PR. Inspiração de Justo Reyna e capitaneado por Daniel Hachem, o Congresso reuniu professores do Brasil, da Argentina, da Espanha e da Itália, com a discussão de temas em torno do tema "Globalização, Direitos Fundamentais e Direito Administrativo - Novas perspectivas para o desenvolvimento econômico e sócio-ambiental". Sempre pela gentileza do Prof. Romeu Bacellar e dos amigos professores Emerson Gabardo e Daniel Hachem, lá fui eu falar entre os administrativistas...
Meu tema era inclusão tecnológica e desenvolvimento democrático. Fiz uma reflexão sobre as três promessas cuja realização, ao menos é o que se afirma, se seguirá à universalização do acesso aos instrumentos tecnológicos: a ampliação do acesso à informação e aos meios de divulgação do pensamento; o incremento da participação política; e o alargamento da esfera pública de discussão.
Quanto ao primeiro ponto, penso que a internet acaba por gerar um reforço às grandes empresas de comunicação, como mostram os dados de acesso aos sites disponibilizados pelo Alexia - ainda que seja possível buscar novas fontes, acaba-se contemplando o mesmo discurso e o mesmo ponto de vista. E sobre a possibilidade de divulgação do pensamento a questão reside na visibilidade desta manifestação.
O incremento da participação política tampouco é consequência direta da inclusão digital, embora efetivamente permita o acesso a uma série de informações e estudos sobre temas relevantes para a cidadania. Em matéria de formação do voto, a disponibilização de dados dos candidatos em sites oficiais e não oficiais traz ao eleitor os elementos necessários para um voto consciente. Não concordo, no entanto, com o uso dos instrumentos digitais para a participação institucionalizada, como pelo voto à distância ou o plebiscito eletrônico, pois isso produz uma democracia monossilábica, individualista, insípida.
E aqui se esbarra em um obstáculo para a terceira promessa. Essa democracia digital não promove o alargamento da esfera pública de discussão; ao contrário, pode aniquilá-la. Partindo da premissa que a Constituição de 1988 desenha um projeto democrático ambicioso, que exige um debate robusto, há que se pensar em uma outra maneira de utilização política das ferramentas cibernéticas.
Outra coisa que me parece indispensável para o desenvolvimento democrático é discutir a regulamentação das comunicações, bem como o engajamento dos cidadãos nas discussões políticas. Sem isso, penso que a inclusão digital será insuficiente.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Reforma política I - a lista fechada

Pelo que tenho visto nos jornais e também nas casas legislativas - que estão desarquivando os projetos que pretendem modificar as regras do jogo eleitoral -, a reforma política, em pauta desde 1822, volta com força. Sempre volta depois das eleições, é verdade, por isso nem sei se vale a pena nos preocuparmos com mais uma onda. Até porque as modificações apontadas não são, em nenhuma medida, para acentuar a democracia deliberativa ou qualificar a soberania popular. Destinam-se a aprimorar a "governabilidade" - que não é princípio constitucional - ou fortalecer os partidos políticos que, ao menos na história política brasileira, longe estão de serem exemplos de democracia interna. De qualquer forma, provocada por uma tendenciosa enquete jornalística que trouxe como resultado que eu apóio "com unhas e dentes" a lista fechada, trago algumas reflexões sobre essa proposta.
Primeiro, um esclarecimento. Há quem diga que o Brasil adota a lista fechada (pois o eleitor não pode escolher candidatos fora dos partidos e seus votos são computados para o quociente eleitoral do partido ou - atenção STF - da coligação) mas não hierarquizada, pois permite que o eleitor determine a ordem dos eleitos (por exemplo, Luis Virgilio Afonso da Silva, em seu Sistemas Eleitorais). Na linguagem corrente, no entanto, denomina-se de sistema proporcional de lista aberta aquele em que o eleitor, ao votar para seu candidato, determina os que ocuparão as vagas, destinadas aos mais votados.
Não vejo, ao menos diretamente, uma ofensa à Constituição no caso da adoção das listas fechadas. Ao contrário do voto distrital, inadmissível em face do princípio da necessária participação das minorias nas instituições políticas, a lista fechada me parece apenas inadequada para a nossa realidade política. Restringe, mas não elimina, a participação do eleitor na tomada de decisão política. Fortalece o filtro partidário, o que não me parece exatamente democrático, mas, segundo Canotilho, não ofende  o princípio da imediaticidade do voto. Para Sánchez Muñoz, no entanto, as listas fechadas e bloqueadas afetam em cheio a liberdade de sufrágio desde a perspectiva subjetiva do eleitor.
Repito aqui o que escrevi na tese: as listas fechadas retiram do eleitor, do soberano, a possibilidade de escolher os seus representantes diretamente. Já existe um filtro partidário na formação da relação de representação: somente podem ser candidatos aqueles previamente escolhidos pelos partidos políticos em convenção. Ainda que não haja clara ofensa aos princípios constitucionais, esse modelo não é o que mais se harmoniza com o desenho da democracia brasileira. E a definição prévia nas convenções partidárias da ordem dos candidatos que ocuparão as cadeiras eventualmente conquistadas traz, além da diminuição da força da escolha do eleitor, importantes questões.
A primeira delas é a forma de definição da ordem das listas. Ainda que se imponham regras para a sua formação, a verificação de seu cumprimento, direta ou indiretamente, ficaria ao cargo da Justiça Eleitoral ou por meio da ressurreição dos observadores eleitorais – com ofensa à autonomia dos partidos garantida constitucionalmente – ou por meio das demandas judiciais de potenciais candidatos preteridos. Uma possibilidade de evitar o “centralismo arbitrário” das oligarquias partidárias é a adoção de convenções de nominação e de primárias. As listas fechadas, ou pré-ordenadas, ainda que fortaleçam os partidos, favorecem as oligarquias partidárias. Wanderley Guilherme dos Santos aduz que a exigência de filiação partidária, acentuada pelo voto em listas, assim como o oferecimento ao eleitorado de candidatos “de rala diferença quanto à inclinação ideológica, aos atributos pessoais, ou a ambos” são mecanismos que reduzem a competição democrática e, quando institucionalizados, podem levar a um regime oligárquico ainda que haja intensa participação popular. Critica Assis Brasil, no início da experiência republicana brasileira, os “clubs partidários”, onde poucos indivíduos se arrogam o direito de confeccionar listas, suprimindo a liberdade do eleitor, substituindo-se ao povo.
Um questionamento que surge é a forma como se dará a observância do parágrafo terceiro do artigo 10 da Lei 9.504/97 – a reserva de pelo menos 30% das vagas para cada sexo – na formação das listas. Ou se permite que o partido decida livremente a distribuição dessa vagas (e se admite a possibilidade de esvaziamento do dispositivo legal com a alocação das vagas reservadas ao final da lista) ou se impõe artificialmente a inclusão destas vagas em intervalos determinados (e se consente com um eventual desvio na determinação dos representantes eleitos).
Outro problema se refere às “candidaturas natas”, antidemocráticas por excelência. Se admitidas, não obstante a manifestação do Poder Judiciário sobre a sua inconstitucionalidade em outro contexto, a renovação das casas legislativas seriam possíveis apenas quando da morte, da extinção da vocação pública de um político ou de sua magnanimidade. Inserir os políticos com forte respaldo eleitoral, no entanto, em uma colocação abaixo de figuras partidárias inexpressivas leva à eleição falseada de representantes.
Os benefícios da adoção das listas pré-ordenadas não parecem compensar os desvios que acarretaria. Limitar o número de candidatos que um partido pode apresentar ao total de cadeiras em disputa é uma forma de se reduzir a disputa entre os candidatos da mesma agremiação e diminuir o custo das campanhas, sem que se retire do eleitor a plena escolha daqueles que irão representá-lo. O sistema proporcional com listas abertas para a eleição de deputados e vereadores traduz de maneira o mais legítima possível a heterogeneidade da sociedade brasileira e coaduna-se com o projeto democrático inscrito na Constituição de 1988 e com o princípio constitucional da necessária participação das minorias do debate público e nas instituições políticas.
Se adotada a lista fechada, no entanto, espero que sigam ao menos o exemplo do México que adota a lista fechada mas impede a reeleição imediata do parlamentar...
Tudo bem, eu sei que é um tanto ingênuo, mas insisto em acreditar no desenho constitucional democrático brasileiro.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Porque não tenho twitter

Estou ansiosa por fazer um grande texto sobre a (eterna) discussão sobre a reforma política, mas tenho algumas dissertações no caminho. Por isso, vai demorar mais um tanto.
Hoje, no entanto, no meio de uma leitura, ouvi falar do comentário sobre o Ronaldo e o Sarney no twitter oficial do STF -  "Ouvi por aí: 'agora que o Ronaldo se aposentou, quando será que o Sarney vai resolver pendurar as chuteiras?" E é por essas e outras que não tenho twitter: é muito rápido, você não pensa duas vezes antes de mandar. E daí, vez ou outra, escapa algo assim. Melhor só o blog, que te exige um certo tempo para escrever e para refletir.
Volto às obrigações acadêmicas e deixo o fuxico de lado.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Ainda sobre Battisti

Por Dalmo de Abreu Dallari


A legalidade da decisão do Presidente Lula, negando a extradição de Cesare Battisti pretendida pelo governo italiano, é inatacável. O Presidente decidiu no exercício de suas competências constitucionais, como agente da soberania brasileira e a fundamentação de sua decisão tem por base disposições expressas do tratado de extradição assinado por Brasil e Itália.
É interessante e oportuno assinalar que as reações violentas e grosseiras de membros do governo italiano, agredindo a dignidade do povo brasileiro e fugindo ao mínimo respeito que deve existir nas relações entre os Estados civilizados, comprovam o absoluto acerto da decisão do Presidente Lula.
Quanto à prisão de Battisti, que já dura quatro anos, é de fundamental importância lembrar que se trata de uma espécie de prisão preventiva. Quando o governo da Itália pediu a extradição de Battisti teve início um processo no Supremo Tribunal Federal, para que a Suprema Corte verificasse o cabimento formal do pedido e, considerando satisfeitas as formalidades legais, enviasse o caso ao Presidente da República.
Para impedir que o possível extraditando fugisse do País ou se ocultasse, obstando o cumprimento de decisão do Presidente da República, concedendo a extradição, o Presidente do Supremo Tribunal Federal determinou a prisão preventiva de Battisti, com o único objetivo de garantir a execução de eventual decisão de extraditar. Não houve qualquer outro fundamento para a prisão de Battisti, que se caracterizou, claramente, como prisão preventiva.
O Presidente da República acaba de tomar a decisão final e definitiva, negando atendimento ao pedido de extradição, tendo considerado as normas constitucionais e legais do Brasil e o tratado de extradição firmado com a Itália.
Numa decisão muito bem fundamentada, o Chefe do Executivo deixa claro que teve em consideração os pressupostos jurídicos que recomendam ou são impeditivos da extradição. Na avaliação do pedido, o Presidente da República levou em conta todo o conjunto de cirscunstâncias políticas e sociais que compõem o caso Battisti, inclusive os antecedentes do caso e a situação política atual da Itália, tendo considerado, entre outros elementos, os recentes pronunciamentos violentos e apaixonados de membros do governo da Itália com referência a Cesare Battisti. E assim, com rigoroso fundamento em disposições expressas do tratado de extradição celebrado por Brasil e Itália, concluiu que estavam presentes alguns pressupostos que recomendavam a negação do pedido de extradição. Decisão juridicamente perfeita.
Considere-se agora a prisão de Battisti. Ela foi determinada com o caráter de prisão preventiva, devendo perdurar até que o Presidente da República desse a palavra final, concedendo ou negando a extradição. E isso acaba de ocorrer, com a decisão de negar atendimento ao pedido de extradição.
Em consequência, a prisão preventiva de Cesare Battisti perdeu o objeto, não havendo qualquer fundamento jurídico para que ele continue preso. E manter alguém preso sem ter apoio em algum dispositivo jurídico é abolutamente ilegal e caracteriza extrema violência contra a pessoa humana, pois o preso está praticamente impossibilitado de exercer seus direitos fundamentais. Assim, pois, em respeito à Constituição brasileira, que define o Brasil como Estado Democrático de Direito, Cesare Battisti deve ser solto imediatamente, sem qualquer concessão aos que tentam recorrer a artifícios jurídicos formais para a imposição de sua vocação arbitrária. O direito e a justiça devem prevalecer. 

Dalmo de Abreu Dallari é jurista e professor emérito da USP 

sábado, 5 de fevereiro de 2011

A reforma política do STF

Mais uma importante mudança nas regras eleitorais chega pelas mãos dos ministros do STF (leia). Com a decisão de dar posse ao primeiro suplente do partido e não da coligação, o Poder Judiciário continua sua auto-conferida missão de aprimorar o sistema partidário brasileiro. Agora as coligações valem apenas para a eleição e não existe mais a fila de suplentes como a divulgada pela Justiça Eleitoral (para ver a deste ano aqui no Paraná, em que Elton Welter está na frente de Gilberto Martin, clique aqui).
Ainda que pareça razoável à primeira vista, vale ressaltar alguns pontos, tão caros ao "Estado de Direito", ainda mais se "Democrático"):
1. Quem deve mudar as regras do jogo democrático é quem tem competência constitucional pra isso, o Congresso Nacional;
2. Quando houver mudança nas regras, elas devem valer para os próximos pleitos e não para os que já ocorreram sob a leitura anterior, sob pena de insegurança jurídica;
3. Se vale a fidelidade partidária e a força política de cada partido nas casas legislativas, há que se alterar (pelo Poder Legislativo, se ainda tivermos algum ideal representativo) a regra de distribuição das cadeiras dentro da coligação - que hoje é feita para os mais votados, independentemente do partido a que esteja filiado - senão, é fraude à vontade do eleitor.
No mais, é esperar a próxima surpresa.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A imprensa e a liberdade de opinião

Virou quase um tabu a aplicação do artigo 224 da Constituição. É só falar em um Conselho, em controle social, em verificação das concessões, que há uma grita geral. Se há submissão ao segredo de justiça, afirma-se a censura pelo Judiciário...
Pois tivemos aqui nas araucárias um exemplo de como a imprensa vê a liberdade de opinião (alheia). O Dr. Célio Heitor Guimarães teve sua voz calada por manifestar uma opinião não conveniente. Calada, porém, apenas nos grandes meios.
Aqui abaixo seguem sua mensagem de despedida e sua coluna, na íntegra, sem censura.


Aos nobres componentes do Grupo dos 15 (universo de leitores da coluna dominical de Célio Heitor Guimarães em "O Estado do Paraná":


Provavelmente, ninguém notou, mas há duas semanas não sai a minha coluna. Eu estava viajando, sim, mas isto nunca impediu que ela fosse enviada e publicada. O fato é que deixei "O Estado do Paraná".

Jactava-me de, em 23 anos de constante atuação, nunca ter sido censurado. No domingo 23.01, fui. Quer dizer, encaminhei a coluna na sexta-feira, como de praxe, ao Chico, diretor de redação. No final da tarde, recebi, via e-mail, o recado dele de que precisava falar urgentemente comigo. Telefonei-lhe e soube que a direção geral do jornal pedia alterações no texto. Motivo: O Dr. Paulo, dono da empresa, estaria pretendendo transformar "O Estado" em edição exclusivamente virtual, a circular apenas pela internet, e como iria pleitear o opoio ($$$) do menino Richa, recém instalado no Palácio Iguaçu, qualquer crítica a ele criaria problema nas negociações. Não concordei com a mudança do texto, claro. Pedi ao Chico que não publicasse nada.

Na segunda-feira, avisei que estava encerrando a coluna, porque não sei escrever sem liberdade ou como "pau-mandado". Agradeci ao Chico pelos anos de tolerância e apoio, que começaram com o pai dele, o inesquecível Mussa José Assis, o melhor jornalista na minha geração. Senti ter cumprido a minha missão, desbravando, aos poucos, com o devido cuidado, terrenos nunca pisados na imprensa paranaense (e nacional, de um modo geral), verdadeiros solos sagrados, intocáveis e infensos a críticas. Modestamente, fiz a minha parte e sou eternamente grato ao Mussa, ao Chico e, por que não?, também ao Dr. Paulo por isso. Chegou a hora de colocar o bacamarte na parede, sobre a lareira. Talvez eu seja o último (depois de Mussa, do Adherbal, do Valmor e do Chico Camargo) da turma da velha "Última Hora" de guerra a aposentar as chuteiras. Tem, é claro, o Mazza, mas este é eterno... e irá esbravejando para o túmulo. Comigo saiu o Chico Assis, legítimo e valoroso sucessor do pai Mussa.

Apláusos para o jovem Beto, que conseguiu o que FHC, Jaime Lerner, Giovane Gionedis, Campelinho, Lula, Requião, os homens da toga, os bingueiros, os conselheiros do colendo TC, os nobres parlamentares das várias instâncias e os corruptos em geral não conseguiram em duas décadas: calar o velho colunista. Fiquem de olho nele.

E recebam o meu afetuoso abraço. Foi a enorme honra tê-los tido como leitores e amigos durante esses anos todos. Quem sabe um dia ainda voltemos a nos encontrar em uma das esquinas da vida.

Paz e amor a todos.

Célio Heitor Guimarães

P.S. - Se alguém se interessar, a coluna derradeira, que deixou de ser publicada, segue no anexo.




CÉLIO HEITOR GUIMARÃES



VELAI TAMBÉM
POR NÓS, Rv.BETO!


Como Rubem Alves, eu também acho que a democracia é o ideal mais bonito que existe. É bonito porque se fundamenta na idéia de que o povo tem o direito de decidir sobre aqueles que o governarão e decidirão os rumos destes barcos em que navegamos e aos quais chamamos de Estado e País. E os partidos políticos, com os seus denominados “quadros”, ensina o mestre Rubem, são as tripulações que controlam as embarcações. O diabo é que elas têm os cascos furados, e cada nova tripulação promete consertá-los e navegar a portos seguros. Mas todas têm ficado apenas nas promessas.

            Sai partido, entra partido e tudo fica na mesma, quando não piora. Já aprendi que nunca se deve dizer que pior não pode ficar. Pode. E fica. Sobretudo quando o povo escolhe a tripulação errada. Aí, os barcos, daqui e de lá, não apenas emperram como correm o risco de naufragar. E nós, os passageiros, ficaremos não só a deriva, como sujeitos a nos afogarmos.
            Metáforas à parte, ando preocupado com as naus Brasil e Paraná. Não tanto com a primeira, que, a despeito da atual tripulação medíocre, começa a navegar em mar sereno, com a capitã recolhida a seus aposentos, traçando a rota, sem fazer marola, como era o costume de seu antecessor. É bom sinal. Queira Deus que não nos esteja preparando nenhuma surpresa!
            Mas a nau Paraná... O jovem comandante Carlos Alberto Richa parece que tomou o barco errado. Também escolheu mal a sua tripulação e, de repente, de capitão virou capelão. Até poderia ser chamado de Frei Beto, não estivesse o nome já ocupado por um ex-companheiro do velho marujo Lula da Silva, de outra frota. Então, deu uma de pastor missionário, compreensivo com suas ovelhas e piedoso com os pecadores. E essa conversão (ou revelação) nos causou um arrepio na espinha.
           
Ao tentar justificar a escolha de algumas figuras polêmicas (para dizer o mínimo) para cargos de relevância da administração estadual, recorreu à Bíblia e proclamou que é preciso perdoar o pecador, não o pecado. Uma bela (e ingênua) interpretação dos textos sagrados, que, no céu, desassossegou o velho José, seu saudoso pai, que saiu à procura de São Pedro para conferir se há pecado sem pecador.
            Ao retirar do ostracismo o urbanista Cássio Taniguchi e o arquiteto Lubomir Ficinski, da velha tropa de choque de Jaime Lerner; entregar as Relações com Investidores da Sanepar ao sr. Ezequias Moreira Rodrigues, que responde a dois processos abertos pelo Ministério Público – um por peculato e outro por improbidade administrativa; e conferir a direção de Relações Institucionais e Comunitárias da Companhia de Habitação do Paraná, Cohapar, ao advogado Nelson Cordeiro Justus, filho do ainda presidente da Assembléia Legislativa do Estado, um dos cultores dos diários secretos do legislativo paranaense, e também investigado pelo MP por improbidade administrativa, como presidente de uma tal bolsa de licitações e leilões, com atuação em prefeituras municipais do interior... Pois ao tomar tais iniciativas, entre outras, o menino Richa colocou em suspeição boa parte de seu governo logo depois de desatracar do porto.
            Para ele, basta que o pecador reconheça que pecou e se arrependa do pecado ou que este tenha sido cometido antes do novo capitão ter assumido o leme da embarcação. Pecados anteriores não contam. Tal qual um de seus mentores, o inesquecível Jaime Lerner, Beto acha que antes dele nada existia. Ou o que existiu não conta. E é aí que mora o perigo. A condução da nau Paraná vai nos obrigar a uma atenção especial. A despeito de o governador afirmar que será intransigente com a corrupção, os furos do casco poderão aumentar e irmos todos ao fundo. Até porque, mesmo que venha a combater a corrupção, a atual teologia do perdão de sua excelência poderá levá-lo a punir os eventuais pecadores apenas com a oração de dois pais-nossos e duas ave-marias.
            Valha-nos a misericórdia divina!
           
celioheitor@yahoo.com.br