terça-feira, 31 de maio de 2011

Entre heróis e demagogos?

Folha de São Paulo de 31 de maio de 2011

CONRADO HÜBNER MENDES

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Argumento jurídico não é um detalhe decorativo com o qual enfeitamos
preferências políticas, mas raramente será mera repetição do texto legal
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Há quase três meses, terminava um importante capítulo do caso da Lei da
Ficha Limpa no Supremo Tribunal Federal: o tribunal, por seis votos a
cinco, entendeu que a referida lei não se aplica às eleições de 2010.
Nesta Folha, no dia 24/3, duas reações vieram à tona.
Eliane Cantanhêde entendeu que a decisão representava "a vitória da lei,
da experiência e da técnica jurídica sobre o apelo fácil da demagogia".
Para ela, o grupo dos seis ministros não teria se curvado, tal como os
outros cinco, ao "clamor popular e do aplauso fácil". Teria tido a
"coragem de enfrentar as câmeras e as críticas".
Páginas adiante, o professor Joaquim Falcão nos oferecia leitura mais
comedida. Explicava que a controvérsia diz respeito à escolha entre dois
artigos constitucionais, que levaram, respectivamente, a duas posições
opostas no caso.
Aplicar a Constituição, para ele, é "ato de vontade do ministro. (...) Há
flexibilidade interpretativa".
O contraste entre as duas reações não poderia ser mais ilustrativo. A
primeira evoca um mito tão antigo e universal quanto persistente sobre o
Estado de Direito.
Segundo esse mal-entendido, caberia ao juiz deixar suas inclinações de
lado e respeitar a letra da lei, um ato certo e mecânico. Virtude e
preparo técnico, assim, seriam suficientes para que a "verdadeira
resposta" seja descoberta nas entrelinhas do texto legal, sem
interferência da vontade.
Essa visão é conveniente para os dois lados: de um, o juiz deixa de ser
inquirido pelas escolhas interpretativas que faz, pois as apresenta como
resultados naturais da técnica jurídica que o público leigo não domina; de
outro, o público leigo se vê dispensado da árdua tarefa de ler as
decisões, pois, a não ser que o juiz seja desonesto, elas corresponderiam
ao comando único da lei. Juízes virtuosos e bem treinados, portanto,
bastariam para a saúde dessa engrenagem.
Há poucos dias, de forma unânime, o STF determinou a extensão da união
estável para casais homossexuais. Celebramos o avanço, uma custosa e
demorada vitória dos direitos individuais sobre a inércia crônica e mal
fundamentada do Congresso. Sobretudo mal fundamentada.
O STF está dividido no primeiro caso e unido no segundo. Cabe agora
refletir sobre o significado dessa diferença e acompanhar como o Congresso
reagirá nos dois casos.
Não foi o bem que venceu o mal, nem a técnica jurídica que prevaleceu
sobre o casuísmo medroso, populista ou intolerante. A "letra da lei", em
ambos os casos, não é tão óbvia. Ao contrário, ela acaba de ser (e
continuará a ser) escrita pelo próprio tribunal, por mais curioso que isso
possa parecer.
Não teremos um debate maduro sobre nossa jurisprudência constitucional
enquanto não percebermos essa característica elementar.
Rejeitar aquele confortável mito do juiz que faz valer a "letra da lei"
traz desafios importantes para a prática do jornalismo judicial, da
pesquisa acadêmica e para o exercício da própria cidadania. Decisões do
STF podem e devem ser elogiadas ou criticadas, mas há maneiras mais ricas
de fazê-lo.
Argumento jurídico não é, por certo, um detalhe decorativo com o qual
enfeitamos nossas preferências políticas, mas raramente será, por outro
lado, mera repetição do texto legal. Somente avaliando os argumentos que
os ministros apresentaram em cada caso, entre tantos outros casos da
agenda do Supremo Tribunal Federal, poderemos avançar na discussão. E os
"derrotados" merecem tanta consideração quanto os "vitoriosos".

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CONRADO HÜBNER MENDES, doutor em filosofia do direito pela Universidade de
Edimburgo (Escócia) e doutor em ciência política pela USP, é professor
licenciado da Direito GV.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Sobre o controle judicial preventivo de constitucionalidade

Notícias STF Imprimir
Sexta-feira, 20 de maio de 2011
Ministro nega seguimento a mandado de segurança impetrado pelo líder do DEM
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou seguimento ao Mandado de Segurança (MS 30614) impetrado pelo deputado federal Antonio Carlos Magalhães Neto, líder do Partido Democratas (DEM), contra ato do presidente da Câmara dos Deputados, que deu início ao processo de discussão e votação da Medida Provisória (MP) 521.
O deputado alegou violação a seu direito líquido e certo de participar de um processo legislativo livre de vícios e afirmou que, no projeto de lei de conversão de MP, ocorreu a “imprópria inserção” de dispositivos completamente alheios ao objeto inicial da matéria, "violando assim a necessária pertinência temática que se exige das emendas parlamentares em projetos iniciados pelo Executivo".
À MP – que inicialmente tratava de questões funcionais de médicos residentes e de funcionários requisitados para a Advocacia-Geral da União (AGU) –, foram adicionados dispositivos para criar o Regime Diferenciado de Contratações (RDC), que poderá ser aplicado nas licitações para as obras de infraestrutura da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016.
De acordo com o ministro relator, o deputado ACM Neto “não logrou êxito em demonstrar de que forma o ato impugnado nesta via mandamental violou seu direito líquido e certo público subjetivo previsto na Constituição da República”, sobretudo pela ausência de indicação da controvérsia jurídica em torno de preceito constitucional concernente ao devido processo legislativo e o suposto coator [presidente da Câmara dos Deputados].
"Ademais, ressalte-se que, em face dos estreitos contornos que caracterizam este remédio constitucional, é imperativo que se demonstre, de maneira incontroversa, a certeza e liquidez do direito pleiteado, sob pena de incognoscibilidade do writ. Isto posto, nego seguimento a este mandado de segurança. Prejudicado, pois, o pedido de liminar”, concluiu o ministro Ricardo Lewandowski.
VP/AD

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Primeira publicação no México...

Está online o número seis da revista Sufragio, do Tribunal Electoral del Estado de Jalisco. Além de um artigo meu sobre o sistema eleitoral brasileiro, a revista traz também a monografia da Roberta Baldanzi, sobre o sistema eletrônico de votação.

domingo, 15 de maio de 2011

O Acre existe. E é surpreendente.

Passei uns dias em Rio Branco, no Acre, para dar um curso sobre Princípios Constitucionais Eleitorais, o tema da minha tese de doutorado, na Escola Judiciária Eleitoral. Aceitei o convite, apesar da distância, por dois motivos principais: discutir minhas intuições com gente que pensa e aplica o direito eleitoral e conhecer um pedaço do norte do Brasil.
E a experiência superou minhas expectativas nos dois sentidos. A discussão sobre os princípios, a legislação e as decisões em matéria eleitoral foi muito além do esperado. Com a plateia formada por servidores, promotores, juízes, membros do TRE e advogados, aprendi muita coisa, ouvi muitos "causos" e debati algumas decisões surpreendentes. Valeu cada minuto entre voos e conexões.
Com muito tempo de viagem e dois dias inteiros de curso, não sobrou muito tempo para conhecer a cidade - e ainda menos o Estado. Não fui a Xapuri (desculpe aí, Tarso) nem à Universidade Federal do Acre (e por isso não dei o seu recado, Bruno), tampouco vi a famosa Constituição do Acre em seu período de independência. E o Memorial dos Autonomistas estava fechado.
Mas andei pela cidade de Rio Branco e me admirei, para além da hospitalidade de todas as pessoas com quem tratei e com a absoluta falta de pichações, com o espaço público e a qualidade dos serviços prestados à população. Um dos lugares mais interessantes é a OCA, onde estão reunidos mais de 500 serviços públicos. A ideia não e nova, mas a qualidade do espaço é verdadeiramente estonteante. Além de um mobiliário novo e atraente, há um café, um espaço para crianças, acesso à internet e elementos de arte contemporânea que trazem ao lugar um ar que não lembra em nada a frieza das repartições públicas.
Confesso que saí de lá impressionada, mas achando que era apenas um exemplo isolado (embora tenham me dito que o serviço está sendo implantado no Estado todo). Pois a Biblioteca Municipal também é diferente do que estou acostumada a ver.
Um espaço enorme para as crianças, computadores e móveis novos, um bom acervo de histórias em quadrinhos, de revistas e de obras do Senado Federal. O restante do acervo ainda é modesto, mas crescente. Tudo é muito limpo e organizado, além de extremamente confortável e atrativo. E tem conexão wi-fi em todos os lugares, inclusive nas praças. A acessibilidade à internet faz parte do programa Floresta Digital, que pretende cobrir todo o Estado.
E, falando em Floresta, passei pela Arena da Floresta, mas não pude entrar. Na quinta à noite estava muito cansada para ver a derrota em casa do Rio Branco para o Plácido de Castro, e acabei indo lá apenas no sábado pela manhã.
E, claro, fui conhecer o Horto Municipal e o Parque Chico Mendes. A natureza de lá é exuberante, com muitas árvores e animais (e, claro, insetos) e que deixam o calor acreano muito mais agradável. Vale as caminhadas nas trilhas, ver as lendas da floresta, ler um pouco sobre Chico Mendes (que também está no Palácio Rio Branco), sentir o cheiro do ar e das plantas, subir no mirante e ver as copas das árvores, os macacos, as frutas... um Brasil que eu nem imaginava, pois 45% do Estado é área de preservação ambiental.
Depois escrevo mais sobre as questões jurídicas lá discutidas. Mas gostei tanto da experiência que resolvi compartilhar aqui. Para dizer que o Acre existe e vale a pena conhecer. Ainda mais agora que mudaram o nome do aeroporto de Rio Branco!

terça-feira, 3 de maio de 2011

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Notícias STF
Terça-feira, 03 de Maio de 2011

Ação pede que Lei da Ficha Limpa seja declarada constitucional

Em ação ajuizada nesta terça-feira (3) no Supremo Tribunal Federal (STF), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pede que a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar 35/10) seja declarada constitucional. “A sociedade e a comunidade jurídica discutem a validade e sua constitucionalidade, criando-se, pois, justo receio de nova situação de insegurança jurídica a ser projetada nas eleições municipais de 2012”, afirma o presidente da OAB na ação, Ophir Cavalcante.
O pedido da entidade é feito em uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC 30), distribuída para o ministro Luiz Fux. Ele é relator de outros dois processos sobre a matéria (ADI 4578 e ADC 29).
Na ação, a OAB afirma que a Lei da Ficha Limpa, quando estabelece novas hipóteses de inelegibilidade, não fere os princípios da razoabilidade ou da proporcionalidade. Alega ainda que a aplicação da norma a atos e fatos passados não ofende a coisa julgada, o direito adquirido e o ato jurídico perfeito. Ainda de acordo com a entidade, não é aplicável à norma o argumento de que ela estaria retroagindo para prejudicar políticos já condenados.
“Não haveria sentido a Lei Complementar estabelecer novas hipóteses de inelegibilidade e não transcender seus efeitos a atos/fatos passados à sua publicação (em junho de 2010), visto que é a própria Carta Federal que determina seja observada a vida pregressa do candidato”, ressalta o presidente da OAB.
Ele também frisa que inelegibilidade não é pena e não impõe punição a quem quer que seja. Segundo o presidente da OAB, as regras e sanções previstas na Lei da Ficha Limpa são de natureza eleitoral. “O regramento, neste caso, é obviamente diferente, pois visa a proteger um outro valor constitucional: a moralidade administrativa”, diz.
Na ação, a OAB lembra que, em março, o Supremo decidiu que a Lei da Ficha Limpa não poderia ser aplicada ao pleito do ano passado porque foi promulgada menos de um ano antes das eleições. A entidade afirma ainda que, no julgamento, foram apresentados questionamentos sobre a constitucionalidade de outros pontos da norma.
“Calha pontuar que durante o julgamento foram invocados diversos argumentos que abalam a confiança da sociedade brasileira acerca da aplicabilidade do regramento legal nas próximas eleições municipais [2012], o que justifica a utilização da presente (ação declaratória de constitucionalidade).” A OAB complementa que há, inclusive, divergência nos diversos Tribunais Regionais Eleitorais sobre a norma.
RR/CG
Leia mais:
29/04/11 - Duas ações sobre Lei da Ficha Limpa serão julgadas diretamente no mérito