domingo, 13 de março de 2011

Reforma política III - o financiamento dos partidos e das campanhas

Provocada pelo prof. Tarso Cabral Violin, ofereço abaixo minhas impressões sobre mais um tema da (eterna) reforma política, gestadas durante a pesquisa de doutoramento:


Os partidos políticos são pessoas jurídicas de direito privado que desempenham importante função pública na democracia brasileira. Pelo desenho constitucional, detêm o monopólio para a apresentação de candidatos a cargos eletivos, a partir de uma seleção em seus próprios quadros, e são destinatários de garantias e vedações fixadas constitucionalmente.
A existência de financiamento público para os partidos – uma das garantias constitucionais – mostra-se legítima a partir dessa conformação constitucional. Esse direito a prestações do Estado, ao lado do direito de antena, justifica-se em face da impossibilidade da manutenção dos partidos apenas com as contribuições dos militantes e da inconveniência de sua dependência financeira de fontes privadas, o que pode permitir que interesses particulares influenciem sua atuação.
Pinto Ferreira defende o financiamento dos partidos pelo fundo partidário para garantir sustentação às agremiações partidárias e “vedar a arrecadação de dinheiro em fontes inidôneas, o que é comum no Brasil, com os ‘banqueiros de bicho’, ‘caixinhas’, ‘lideranças ricas’, permitindo a formação de oligarquias dominantes”.
A divisão do fundo partidário não pode configurar uma cláusula de diferenciação ou um “prêmio ao poder” e “uma tentativa camuflada da redução externa partidária e do próprio espectro político”. Há de ser feita sob critérios razoáveis, de preferência estabelecidos pela representação política, sem ofensa ao princípio constitucional da máxima igualdade na disputa eleitoral e ao princípio constitucional da necessária participação das minorias nas instituições políticas e no debate público.
Uma proposta para libertar os partidos e os candidatos das amarras do poder econômico, constante na eterna reforma política, é o financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais. A ideia é aumentar o aporte financeiro da União e possibilitar que a disputa eleitoral se realize apenas com dinheiro público.
Além de exigir uma fiscalização bastante acurada, sob pena de sua inocuidade, a adoção do financiamento público exclusivo, com a distribuição de recursos vinculada ao desempenho eleitoral ou à representatividade parlamentar, ofende o direito de oposição, ao impedir – na prática – a obtenção de representação pelos partidos menores.
Interessante ressaltar que Carlos Santiago Nino analisa a questão de um ponto de vista diametralmente oposto. Constatando que os custos elevados de uma campanha afastam candidatos sem ligação com poderosos interesses privados ou grupos de interesse, o que leva ao afastamento de uma cidadania, propõe a proibição absoluta de financiamento privado, combinado com o acesso obrigatório aos meios de comunicação.
A proposta apresentada não faz referência à distribuição entre os partidos ou candidatos dos recursos públicos ou do tempo nos meios de comunicação para a divulgação das candidaturas e das propostas. A distribuição pela representatividade, como já visto, não corresponde ao desenho constitucional democrático. A igual distribuição, no entanto, dificilmente alcançaria um consenso entre os partidos e os parlamentares, embora corresponda à noção de igualdade como nivelamento, exigida na participação do processo democrático para maximizar sua qualidade epistêmica na visão de Carlos Santiago Nino.
Ainda que compreendida como realização da igualdade exigida para a efetivação da democracia deliberativa e de sua capacidade epistêmica, a vedação absoluta ao financiamento privado contrasta com a autonomia pessoal.
Parece que a questão deve se concentrar no controle dos recursos e na identificação de sua origem.
Nas democracias de massa, a exigência de recursos financeiros para a realização de propaganda surge como um forte elemento de desigualdade. Assim, o controle de financiamento de campanhas se justifica a partir do comando constitucional de máxima igualdade entre os candidatos. A atuação do Estado na regulamentação das contribuições e dos gastos tem razões igualitárias: as restrições se justificam pela demanda de grupos concentrada na “oportunidade plena e equitativa para participar no debate público”, relacionada, portanto, à sua liberdade de expressão.
Reinhold Zippelius se preocupa com a dependência dos partidos de interesses que possam anuviar sua atuação em defesa do bem comum, ressaltando a necessidade de publicidade dos debates parlamentares, inclusive nas comissões, das motivações das leis e da atuação dos grupos de interesses. Indica forte inquietação principalmente com a questão do financiamento das agremiações partidárias, afirmando a problemática aceitação de donativos privados e a insuficiência das contribuições dos filiados. Apresenta a possibilidade de financiamento complementar dos partidos pelo Estado, mas sem isso implique a influência do Estado nos partidos, o que pode ser assegurado pela distribuição de fundos na proporção dos votos recebidos, embora isso leve à consolidação de uma maioria já constituída. E defende a proibição de “donativos aos quais se associem notoriamente influências indesejáveis”, como os provenientes de poderes externos e os concedidos “na expectativa de obter uma determinada vantagem económica ou política”. Acentua, ainda, a necessidade de transparência no financiamento dos partidos.
Lauro Barreto questiona a substituição da proibição absoluta de contribuições para a campanha eleitoral, com exceção do fundo partidário e da colaboração de militantes e filiados (prevista no artigo 91 da Lei 5.682/71), pela ampla liberação da participação do empresariado no financiamento da disputa: “Escancarou-se (...) a preponderância da moeda sobre as idéias e propostas no processo eleitoral”.
A questão do financiamento das campanhas eleitorais se refere também à configuração livre do mandato representativo, ao impor a atuação imparcial do agente público, livre de vinculações a interesses individuais.
Mas sua relação mais íntima é com o princípio constitucional da máxima igualdade na disputa eleitoral, em razão da qual, para Óscar Sánchez Muñoz, sempre a partir do ordenamento jurídico espanhol, impõem-se medidas negativas e medidas positivas. As medidas positivas se relacionam com a limitação de gastos e de ingressos, com uma regulamentação rígida sobre a arrecadação e a aplicação de recursos, a partir da delimitação legal da campanha, da limitação absoluta dos gastos eleitorais com o estabelecimento de um teto máximo de gastos, das limitações específicas de determinados tipos de gastos eleitorais e em relação aos ingressos, com a delimitação sobre a legalidade de doações de pessoas jurídicas e estrangeiras e com a exigência de publicidade dos montantes doados e dos doadores.
Na questão das doações das pessoas jurídicas, ressalta Óscar Sánchez Muñoz, duas opções se colocam. A primeira delas é a do modelo liberal de transparência, em que as doações são livres, mas há necessariamente que se dar publicidade da origem dos recursos. É o modelo adotado na Alemanha e no Reino Unido e sua eficácia depende da sua fiscalização. A outra opção se refere ao modelo de financiamento cidadão, em que as doações das pessoas jurídicas são vedadas. A contribuição para uma campanha é vista como uma faceta do direito de participação política, inexistente na esfera das pessoas jurídicas.
O legislador brasileiro trata das doações de pessoas jurídicas nas disposições transitórias da Lei 9.504/97, em seu artigo 81, em evidente titubeio, com a sua admissibilidade até o limite de dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição. Não parece haver problema com essa permissão – desde que sejam observados os princípios da Administração Pública quando da relação dessas pessoas jurídicas com os mandatários que tiveram suas campanhas financiadas por elas.
O financiamento público dos partidos políticos, assinala Óscar Sánchez Muñoz, é uma medida positiva imposta pelo princípio da igualdade entre os candidatos. A subvenção estatal, direta e indireta, às agremiações partidárias justifica-se pelas funções que elas cumprem na democracia e pela conveniência de mantê-las fora de uma relação de absoluta dependência de fontes de financiamento. Para que o financiamento público seja coerente com o princípio da igualdade, ele deve se revestir de uma finalidade compensatória, destinada a reequilibrar a diferente distribuição de um fator que é tomado como irrelevante (e que, portanto, deve ser neutralizado) na disputa eleitoral – o poder econômico.
A partir dessas considerações, resta inconcebível que a distribuição do financiamento público – no caso brasileiro, das cotas do fundo partidário – seja realizada de maneira a permitir uma acentuação das diferentes capacidades econômicas das agremiações partidárias. Seria ainda mais grave para a democracia pluralista brasileira a adoção do financiamento público exclusivo com critérios excludentes – ou exterminadores – de divisão.
Em relação às regras do financiamento de campanhas, a jurisprudência brasileira tende a desconsiderar “erros formais” e passa até a desconsiderar determinadas punições por não as considerar “proporcionais”. Assim se dá com a aplicação do artigo 30A da Lei 9.504/97, caso em que o Tribunal Superior Eleitoral deixa de aplicar a sanção por considerá-la inadequada a alguns casos de descumprimento da legislação eleitoral.
Vale ressaltar, aqui, a lição de W. J. M. Mackenzie, para quem “es más fácil perseguir por razón de inobservancias técnicas que por delitos substantivos” e como a legislação eleitoral tem exigências formais, “tan solo se necesita probar la sencilla proposición de que el dinero se ha gastado, no la obscura proposición de que se haya hecho de él un uso inmoral”. Assim, “la vigilancia y control por las autoridades públicas o por los partidos entre si se simplifican muchísimo”.
Similar é a opinião de Pedro Henrique de Távora Niess, que defende a punição de toda irregularidade, pois “derive do método mais simples e tradicional ou da técnica mais sofisticada e moderna, caracteriza a utilização do poder econômico de forma abusiva, porque investe contra o equilíbrio possível do certame eleitoral”. No mesmo sentido, ainda ressalta-se o posicionamento de José Antonio Fichter, para quem o uso de quantia além do permitido revela a ilegitimidade e impõe a desconstituição do mandato, não sendo necessário demonstrar a sua infuência para a obtenção da vitória nas urnas.
Em virtude da leitura jurisprudencial, no entanto, exige-se o abuso do poder econômico para a imposição das sanções mais graves. A potencialidade de alterar o resultado da eleição torna-se elemento para a cominação da cassação de registro e da pena de inelegibilidade. 
Para a apuração e punição do abuso de poder econômico, são previstas as ações de investigação judicial eleitoral e de impugnação de mandato eletivo, bem como e o recurso contra a diplomação. A previsão dos casos de abuso e de instrumentos processuais, no entanto, não encontra efetividade na esfera política capaz de garantir, ao mesmo tempo, a igualdade na disputa eleitoral e a autenticidade na formação do voto, em face da fragilidade da legislação, dos critérios do Tribunal Superior Eleitoral e da engenhosidade humana.

Um comentário:

Tarso disse...

Mantenho minha proposta de lista fechada e financiamento público proporcional a representatividade. Num primeiro momento partidos com mais representantes hoje terão mais dinheiro, mas se não demonstrarem para que existem vão perdendo terreno com o passar dos anos. Ficar como está não dá. 0% de discussão ideológica na TV nas eleições para deputados e vereadores. Candidatos mais ricos ou com mais caixa 2 com mais facilidades de vitória.