domingo, 17 de julho de 2011

A necessária proclamação da República

Já há algum tempo não se pensa mais na República como, simplesmente, uma forma de governo que se opõe à Monarquia. É certo que algumas características contrapostas se mantêm, como a eletividade e a periodicidade no exercício do poder, mas evidencia de maneira mais enfática a configuração republicana a determinação do conteúdo da ação do poder público, necessariamente vinculado à realização do interesse público.
Em um Estado cuja Constituição seja informada pelo princípio republicano – como é o caso da nossa – a atuação dos agentes públicos não é absolutamente livre. Embora haja a liberdade para o exercício do mandato eletivo, sem vinculação a instruções prévias, a ordem constitucional funciona como um critério de validade e de legitimidade para o conteúdo do exercício do poder.
Pode-se afirmar que a noção de interesse público é tão ampla e fluida que não é possível dar-lhe qualquer sentido capaz de controlar o poder. Ora, a indeterminabilidade não é peculiaridade deste conceito. Boa-fé, notável saber, reputação ilibada, adequação, decoro, proporcionalidade, razoabilidade, são noções utilizadas a todo o momento para estabelecer, justificar ou aplicar o Direito, não obstante sua fluidez. Como em todos esses casos, é possível determinar o que está fora da órbita do significado do termo, o que obviamente está abrangido por ele e o que exige reflexão sobre sua compatibilidade.
No caso do interesse público ainda é possível retirar do texto constitucional a sua substância. Os objetivos fundamentais da República, trazidos pelo artigo 3º - construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais e; promover o bem de todos –, bem como os princípios da Administração Pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), ajudam a reduzir a indeterminação da ideia de interesse público.

Em uma República que mereça o nome, todos os atos do poder público devem se dirigir à realização dos objetivos do Estado, ao cumprimento das suas tarefas. Mas não de qualquer maneira: seguindo, ainda, a lógica do princípio republicano, impõe-se a atuação sem privilégios e sem preferências pessoais, sem utilizar da sua posição no Estado para beneficiar a si ou aos seus. Ou seja, atuar com impessoalidade, tanto no que se refere ao titular do cargo público quanto aos cidadãos.

A República democrática e representativa brasileira exige de seus agentes, eleitos ou não, um compromisso com os seus fundamentos. Embora sua proclamação já tenha mais de 120 anos, não parece ter ocorrido a interiorização dos seus princípios. Basta acompanhar, mesmo sem grande senso crítico, a chamada publicidade institucional, que cada vez mais se aproxima da propaganda eleitoral. A possibilidade de reeleição, sem necessidade de afastamento do cargo, foi outro duro golpe à República. Os baques, no entanto, são cotidianos, com a quebra dos princípios da Administração Pública, com o patrimonialismo, o pessoalismo e o constante adonar-se do cargo público e da coisa pública.

Vale ressaltar, ainda, que a República não é exigente apenas com governantes. Ela é ambiciosa também em relação aos cidadãos, dos quais se exige uma virtude cívica, uma constante vigilância e uma responsabilidade pelas suas ações e pelo controle do poder. Nossa Constituição traz os instrumentos para a participação republicana: eleição, consultas populares, iniciativas de projeto de lei, audiências públicas, participação em conselhos, ação popular e direito de petição, meios esses sempre diminuídos por aqueles ainda se consideram privilegiados e distintos dos meros cidadãos e que vêem a democracia efetiva como uma ameaça às suas prerrogativas.

Talvez seja a hora da organização de uma marcha, um manifesto, um movimento pela República, mas não um pacto republicano realizado entre os agentes do poder. Algo que surja da cidadania e que efetivamente a proclame e a realize em âmbito nacional e, talvez de maneira mais urgente, na terra das araucárias.

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