terça-feira, 8 de março de 2011

Reforma política II - o voto distrital

Outro tema que volta e meia surge na arena política é a adoção do voto distrital. A principal ideia do voto distrital é aplicação do princípio majoritário para a composição das casas parlamentares, com total aniquilação das minorias e ofensa à democracia representativa (já dizia Cármen Lúcia em 1998 e antes dela León Duguit e Maurice Hauriou). 
Trago um pouco do que trabalhei na tese:
No caso brasileiro, além de historicamente ter se revelado instrumento de desmoralização e corrupção, o sistema distrital é também inconstitucional. Com o sistema distrital visa-se adotar o princípio majoritário para a eleição de deputados e vereadores, com a divisão dos estados e municípios em distritos. A sua adoção, ainda que por emenda constitucional, está vedada pela intangibilidade dos princípios constitucionais estruturantes.

A adoção do princípio majoritário com a divisão em distritos significa dotar uma pequena maioria do poder de determinar o interesse público e excluir a representação de todos os que não escolheram o mais votado. A divisão em distritos leva, por si, a uma desigualdade de fato na representação, fortemente agravada pela adoção do princípio majoritário.
Os que propõem tal mudança ressaltam as vantagens do sistema majoritário para a formação de governos funcionais e para o fortalecimento dos partidos políticos, além dos benefícios da divisão em distritos, como a diminuição do custo das campanhas eleitorais, a possibilidade de fiscalização e acompanhamento efetivos das condutas eleitorais e uma identificação maior entre o representante e os representados.
Alberto Rollo e João Fernando Lopes de Carvalho defendem a distritalização do voto, que permitiria uma fidelidade do eleito com o partido e com seu eleitorado a partir de compromissos, além de baratear a campanha e estabelecer uma disputa mais clara, sem brigas partidárias internas. Assim o faz também Maria Garcia: defende um sistema eleitoral majoritário e distrital, juntamente com a possibilidade de revocatória de mandatos e com a redução de representantes.
Para que tal sistema não ofenda também o princípio da igualdade do voto, é necessário que a distritalização (divisão dos distritos) leve em consideração a proporção entre os distritos das cadeiras em disputa e do corpo eleitoral, não seja inspirada por recortes étnicos, religiosos, linguísticos, ideológicos ou partidários pré-existentes e que não seja uma divisão tendenciosa.
As propostas de reforma ora defendem esse modelo de forma pura, ora o desejam combinado com o sistema proporcional, em um sistema distrital misto.
Saltam aos olhos os problemas do sistema puro. Em primeiro lugar, não há espaço para a representação das minorias, o que contraria toda a preocupação de espelhar no Parlamento – espaço privilegiado da formação da vontade política – as diversas concepções de Estado e de bem viver presentes nasociedade brasileira. Adotar o princípio majoritário para a eleição de deputados e vereadores é renunciar à conquista do espaço de dissenso qualificado pela coexistência, dentro das regras do jogo democrático e com atuação efetiva, de partidos políticos que representam um amplo leque de ideologias. Vai de encontro ao pluralismo político, fundamento da República brasileira e ao princípio constitucional de necessária participação das minorias nas instituições políticas e do debate público. É flagrantemente inconstitucional.
Sobre o sistema misto, seja no modelo alemão, seja no modelo mexicano, parece agregar as desvantagens dos dois princípios. 
Vale lembrar, ainda, do preâmbulo do primeiro anteprojeto de Constituição, apresentado por Bernardo Cabral, onde o sistema proporcional estava plasmado:
Os representantes do povo brasileiro, reunidos, sob a proteção de Deus, em Assembléia Nacional Constituinte, afirmam, no preâmbulo desta Constituição, o seu propósito de construir uma grande Nação baseada na liberdade, na fraternidade, na igualdade, sem distinção de raça, cor, procedência, religião ou qualquer outra, certos de que a grandeza da Pátria está na saúde e felicidade do povo, na sua cultura, na observância dos direitos fundamentais da pessoa humana, na eqüitativa distribuição de bens materiais e culturais, de que todos devem participar. Afirmam, também, que isso só pode ser obtido com o modo democrático de convivência e de organização estatal, com repulsa a toda forma autoritária de governo e a toda exclusão do povo do processo político, econômico e social.
A soberania reside no povo, que é fonte de todo o poder; os poderes inerentes à soberania são exercidos por representantes eleitos ou por consulta. O voto é secreto, direto e obrigatório, e as minorias terão representação proporcional no exercício do poder político.

4 comentários:

Bruno Meirinho disse...

O tema do voto distrital revela uma falsa polêmica. Inserido no debate da reforma política, o voto distrital extrapola os limites do que se espera de uma reforma. Pela profundidade de suas consequências, aquele que defende o voto distrital como mero "ajuste" ou "reforma" política está provavelmente agindo com desconhecimento ou má-fé. O fato é que adotar o voto distrital significa uma mudança estrutural de outra qualidade, alcançando o próprio pacto federativo, ou seja, não é mera reforma.
No Brasil é possível observar outras tentativas de oposição ao pacto federativo vigente, como os questionamentos acerca da distribuição da receita de impostos (estados com maior arrecadação x estados que precisam de recursos), a tentativa de deslegitimação política de senadores representantes de unidades da federação com menos população, etc. É justo que se debata o pacto federativo. O que é impróprio é debater uma coisa como se fosse outra. Um novo pacto federativo jamais poderá ser o resultado de uma "reforma" política.

Desiree disse...

Parece-me que é indispensável chamar a atenção para essa nova "panaceia" do sistema político brasileiro. Além do reflexo no pacto federativo, do problema da divisão dos distritos e do consequente enfraquecimento da igualdade do voto, o que se pretende, em nome da governabilidade, é aniquilar a representação das minorias. Inconstitucional, portanto.

Tarso disse...

Para mim reforma política significa duas coisas: financiamento público de campanha e lista fechada. Só!

Bruno Meirinho disse...

Profª. Eneida, parabéns pelo excelente texto e pela ótima atuação no debate.