segunda-feira, 1 de março de 2010

Minhas teses...

Depois de três meses de silêncio, trabalhando na tese, volto ao blog. Terminei. Segue abaixo sua apresentação.

A tese se denomina Princípios constitucionais estruturantes do Direito Eleitoral e se constitui na identificação desses princípios, a partir das escolhas constituintes que formam o núcleo da Constituição de 1988. Esses princípios são (ou ainda, devem ser) o fundamento da elaboração e da aplicação das normas jurídicas eleitorais.

A pesquisa originou-se da percepção da ausência de consistência e coerência da legislação e das decisões judiciais no âmbito eleitoral. Regras que se sucedem aleatoriamente, sob uma demanda constante de reforma política, decisões conflitantes em um mesmo tribunal (por vezes na mesma sessão de julgamento) e elaboração de normas jurídicas que tolhem direitos fundamentais pelo Poder Judiciário, levaram ao reconhecimento da necessidade de se evidenciarem os fundamentos do Direito Eleitoral brasileiro, a partir do texto constitucional.

Algumas questões emblemáticas atravessam o caminho da elaboração da tese. A decisão do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal sobre a perda de mandato em caso de desfiliação partidária talvez represente de maneira completa a necessidade de enfrentar a assistematicidade das regras eleitorais e da atuação do Poder Judiciário. A decisão ofende diretamente a Constituição, ao estabelecer uma hipótese de perda de mandato não prevista – e historicamente negada. Essa decisão, como a que impôs a verticalização das coligações, a que determinou o número de vereadores e a que quase criou uma hipótese de inelegibilidade (caso dos fichas-sujas), nega a legalidade em matéria eleitoral. Cria um eleitor padrão, estabelece a titularidade partidária do mandato, promove uma situação de insegurança jurídica incompatível com o Estado de Direito.

Esse exemplo demonstra a necessidade de se tratar dos fundamentos constitucionais do Direito Eleitoral, consubstanciados em princípios estruturantes. E é isso que a pesquisa buscou realizar.

O trabalho apresentado se compõe de duas partes. A primeira é formada por premissas que permitem a identificação dos princípios apresentados na segunda parte. Esse conjunto de premissas parte da configuração constitucional estabelecida pelo texto de 1988. Assim, compreende-se o Estado brasileiro como um Estado de Direito, fundado no princípio democrático e no ideal republicano, a partir de princípios estruturantes intangíveis.

A noção de democracia que perpassa a Constituição vai além de uma concepção formal e majoritária. Trata-se de uma democracia deliberativa, inclusiva e pluralista, relacionada com princípios estruturantes do direito eleitoral que a promovem. As regras jurídicas devem se originar do debate parlamentar público e robusto, com a participação efetiva de todos os interessados, E com a representação das diversas correntes de pensamento.

A representação política, juridicamente, não vai além de uma autorização sem que se pré-determine o seu conteúdo para além do disposto no texto constitucional. Não existe uma escolha eleitoral condicionada, um voto “desde que”. A Constituição não reconhece instruções para os mandatários, assim como não prevê formas de ruptura da relação de representação pelos representados. Pela eleição, autoriza-se por prazo certo o exercício do mandato e a atuação do representante é limitada à observância dos dispositivos constitucionais.

O ideal republicano incorporado estabelece deveres para os cidadãos e a responsabilidade pelas decisões políticas. Concebe a liberdade como não-dominação, e não como liberdade absoluta. Traz um substrato comum de valores, mas, em combinação com a democracia deliberativa e pluralista, não se compõe de conceitos fechados.

Os princípios estruturantes do Estado brasileiro são todos intangíveis. Como compõem o núcleo duro da Constituição, dando-lhe identidade, não são alcançáveis sequer pelo poder de reforma. Essa intangibilidade se impõe aos princípios estruturantes gerais – como o Estado Democrático e Social de Direito, a República e o pluralismo – e aos princípios estruturantes setoriais (como a humanidade das penas criminais, a impessoalidade no âmbito administrativo, a anterioridade tributária, a legalidade específica em matéria penal, tributária e eleitoral). São, portanto, limites à deliberação democrática e aos processos formais e informais de mudança da Constituição. A alteração desses princípios mutila a Constituição, destrói seu espírito.

A segunda parte da tese traz os princípios constitucionais estruturantes do Direito Eleitoral que, em seu conjunto, emprestam coerência ao Direito Eleitoral. Os princípios são identificados a partir das escolhas constituintes e das premissas apresentadas na primeira parte e são imodificáveis.

O primeiro princípio constitucional estruturante do Direito Eleitoral é o da autenticidade. Esse princípio impõe uma eleição limpa, liberdade e igualdade de voto, inclusive em relação ao resultado. Exige um sistema efetivo de verificação de poderes e de coibição dos desvios na formação da vontade do eleitor. A autenticidade do voto se relaciona com a liberdade para a formação da opinião e não a uma visão perfeccionista da escolha eleitoral. A veracidade do escrutínio impõe a coibição das fraudes e uma correta compreensão do voto nulo. Da fidedignidade da representação, ainda relacionada ao princípio da autenticidade eleitoral, extrai-se a previsão de hipóteses de inelegibilidade e de incompatibilidade (sempre observando a reserva de lei complementar) e exige-se uma reavaliação das regras de permissão de coligações partidárias.

O princípio da liberdade para o exercício do mandato decorre da configuração deliberativa da democracia brasileira e da definição jurídica do instituto da representação política. Não são admitidas instruções aos mandatários, seja pelos eleitores, seja pelos partidos políticos – ou não haveria espaço para o debate e para a deliberação democrática. A titularidade do mandato é do representante. A fidelidade partidária deve ser compreendida adequadamente, de acordo com o texto de 1988, assim como o papel constitucional dos partidos políticos.

A configuração da democracia e o pluralismo político estruturantes do Estado brasileiro exigem a participação das minorias no debate público e nas instituições políticas, como também a garantia do direito de oposição. Revela-se a adequação do sistema eleitoral proporcional e a inconstitucionalidade do sistema distrital, informado pelo princípio majoritário. O multipartidarismo não é um defeito do sistema, mas uma decorrência do princípio constitucional da necessária participação das minorias. Não se admite, em face dessa exigência, uma cláusula de desempenho, bem como a repartição do direito de antena e do fundo partidário de forma a excluir a possibilidade de efetivo funcionamento das agremiações partidárias menores.

O princípio constitucional da máxima igualdade na disputa eleitoral, decorrência do princípio republicano, da concepção de democracia e do pluralismo, e constante do núcleo duro das escolhas constituintes, impõe a intervenção do Estado – sempre por lei votada regularmente pelo parlamento – para assegurar o equilíbrio no pleito. A liberdade de expressão, tanto dos meios de comunicação social como na propaganda eleitoral, deve ser regulada, em nome da igualdade de oportunidades, e vista sob uma concepção democrática, não puramente individualista. A neutralidade dos poderes públicos e o controle do financiamento das campanhas são decorrências desse princípio, bem como a coibição dos abusos. A exigência da máxima igualdade na disputa eleitoral foi duramente atingida pela emenda 16/97 que incorporou ao texto a possibilidade de reeleição dos chefes do poder executivo. A leitura tímida do Supremo Tribunal Federal em relação à regra de desincompatibilização acentuou a iniqüidade.

O último princípio identificado é o da estrita legalidade em matéria eleitoral, relacionado com os princípios estruturantes do Estado de Direito e da democracia pluralista. Exige-se, em matéria eleitoral como em matéria tributária e penal, que as regras do jogo sejam determinadas por lei formal do parlamento, um parlamento constituído pelo princípio proporcional e com amplo espaço de debate público. A anterioridade exigida pelo artigo 16 da Constituição deve ser compreendida em seu sentido mais amplo, incorporando toda alteração das normas eleitorais, sob pena de enfraquecimento do comando constitucional. Não há, pelo texto constitucional, competência regulamentar da Justiça Eleitoral. A legislação infra-constitucional prevê a expedição de instruções, que são regramentos internos à Administração, sem capacidade de alcançar para além de seus agentes. No entanto, considerando-se a possibilidade de a Justiça Eleitoral editar resoluções, elas devem ser reduzidas a regulamentos de execução, sem quaisquer possibilidades de extrapolar a lei a ser regulamentada, simplesmente consolidando a legislação eleitoral sobre cada assunto, sem apresentar novas exigências ou restringir direitos.

2 comentários:

Somel Serip disse...

Desiree, olá !
Sempre me perguntei:
Por que ter uma constituição que, de tão detalhada e confusa, teve que ser editada num livro ?
Por que , nós, os "macaquitos", não imitamos os USA, que fizeram uma constituição tão simples e direta, que é conhecida por sua maioria populacional ?
Diante do que você expôs, Desiree, tenho certeza que esta nossa constituição tem que ser jogada no lixo !
Abraços à todos !
Somel Serip.
Gerente Geral CNBVN ○ Coordenador
somelserip@gmail.com

Desiree disse...

Olá Somel.
Na realidade eu defendo a Constituição brasileira de 1988, da maneira como ela foi democraticamente construída. Minha reação é à aplicação do texto constitucional por um Poder Judiciário que "joga pra torcida". Ter, no Brasil, uma Constituição como a estadunidense é dar mais poder aos magistrados, cuja legitimação democrática é indireta e sobre os quais não há qualquer controle social.
Um abraço
Desiree