domingo, 20 de fevereiro de 2011

Reforma política I - a lista fechada

Pelo que tenho visto nos jornais e também nas casas legislativas - que estão desarquivando os projetos que pretendem modificar as regras do jogo eleitoral -, a reforma política, em pauta desde 1822, volta com força. Sempre volta depois das eleições, é verdade, por isso nem sei se vale a pena nos preocuparmos com mais uma onda. Até porque as modificações apontadas não são, em nenhuma medida, para acentuar a democracia deliberativa ou qualificar a soberania popular. Destinam-se a aprimorar a "governabilidade" - que não é princípio constitucional - ou fortalecer os partidos políticos que, ao menos na história política brasileira, longe estão de serem exemplos de democracia interna. De qualquer forma, provocada por uma tendenciosa enquete jornalística que trouxe como resultado que eu apóio "com unhas e dentes" a lista fechada, trago algumas reflexões sobre essa proposta.
Primeiro, um esclarecimento. Há quem diga que o Brasil adota a lista fechada (pois o eleitor não pode escolher candidatos fora dos partidos e seus votos são computados para o quociente eleitoral do partido ou - atenção STF - da coligação) mas não hierarquizada, pois permite que o eleitor determine a ordem dos eleitos (por exemplo, Luis Virgilio Afonso da Silva, em seu Sistemas Eleitorais). Na linguagem corrente, no entanto, denomina-se de sistema proporcional de lista aberta aquele em que o eleitor, ao votar para seu candidato, determina os que ocuparão as vagas, destinadas aos mais votados.
Não vejo, ao menos diretamente, uma ofensa à Constituição no caso da adoção das listas fechadas. Ao contrário do voto distrital, inadmissível em face do princípio da necessária participação das minorias nas instituições políticas, a lista fechada me parece apenas inadequada para a nossa realidade política. Restringe, mas não elimina, a participação do eleitor na tomada de decisão política. Fortalece o filtro partidário, o que não me parece exatamente democrático, mas, segundo Canotilho, não ofende  o princípio da imediaticidade do voto. Para Sánchez Muñoz, no entanto, as listas fechadas e bloqueadas afetam em cheio a liberdade de sufrágio desde a perspectiva subjetiva do eleitor.
Repito aqui o que escrevi na tese: as listas fechadas retiram do eleitor, do soberano, a possibilidade de escolher os seus representantes diretamente. Já existe um filtro partidário na formação da relação de representação: somente podem ser candidatos aqueles previamente escolhidos pelos partidos políticos em convenção. Ainda que não haja clara ofensa aos princípios constitucionais, esse modelo não é o que mais se harmoniza com o desenho da democracia brasileira. E a definição prévia nas convenções partidárias da ordem dos candidatos que ocuparão as cadeiras eventualmente conquistadas traz, além da diminuição da força da escolha do eleitor, importantes questões.
A primeira delas é a forma de definição da ordem das listas. Ainda que se imponham regras para a sua formação, a verificação de seu cumprimento, direta ou indiretamente, ficaria ao cargo da Justiça Eleitoral ou por meio da ressurreição dos observadores eleitorais – com ofensa à autonomia dos partidos garantida constitucionalmente – ou por meio das demandas judiciais de potenciais candidatos preteridos. Uma possibilidade de evitar o “centralismo arbitrário” das oligarquias partidárias é a adoção de convenções de nominação e de primárias. As listas fechadas, ou pré-ordenadas, ainda que fortaleçam os partidos, favorecem as oligarquias partidárias. Wanderley Guilherme dos Santos aduz que a exigência de filiação partidária, acentuada pelo voto em listas, assim como o oferecimento ao eleitorado de candidatos “de rala diferença quanto à inclinação ideológica, aos atributos pessoais, ou a ambos” são mecanismos que reduzem a competição democrática e, quando institucionalizados, podem levar a um regime oligárquico ainda que haja intensa participação popular. Critica Assis Brasil, no início da experiência republicana brasileira, os “clubs partidários”, onde poucos indivíduos se arrogam o direito de confeccionar listas, suprimindo a liberdade do eleitor, substituindo-se ao povo.
Um questionamento que surge é a forma como se dará a observância do parágrafo terceiro do artigo 10 da Lei 9.504/97 – a reserva de pelo menos 30% das vagas para cada sexo – na formação das listas. Ou se permite que o partido decida livremente a distribuição dessa vagas (e se admite a possibilidade de esvaziamento do dispositivo legal com a alocação das vagas reservadas ao final da lista) ou se impõe artificialmente a inclusão destas vagas em intervalos determinados (e se consente com um eventual desvio na determinação dos representantes eleitos).
Outro problema se refere às “candidaturas natas”, antidemocráticas por excelência. Se admitidas, não obstante a manifestação do Poder Judiciário sobre a sua inconstitucionalidade em outro contexto, a renovação das casas legislativas seriam possíveis apenas quando da morte, da extinção da vocação pública de um político ou de sua magnanimidade. Inserir os políticos com forte respaldo eleitoral, no entanto, em uma colocação abaixo de figuras partidárias inexpressivas leva à eleição falseada de representantes.
Os benefícios da adoção das listas pré-ordenadas não parecem compensar os desvios que acarretaria. Limitar o número de candidatos que um partido pode apresentar ao total de cadeiras em disputa é uma forma de se reduzir a disputa entre os candidatos da mesma agremiação e diminuir o custo das campanhas, sem que se retire do eleitor a plena escolha daqueles que irão representá-lo. O sistema proporcional com listas abertas para a eleição de deputados e vereadores traduz de maneira o mais legítima possível a heterogeneidade da sociedade brasileira e coaduna-se com o projeto democrático inscrito na Constituição de 1988 e com o princípio constitucional da necessária participação das minorias do debate público e nas instituições políticas.
Se adotada a lista fechada, no entanto, espero que sigam ao menos o exemplo do México que adota a lista fechada mas impede a reeleição imediata do parlamentar...
Tudo bem, eu sei que é um tanto ingênuo, mas insisto em acreditar no desenho constitucional democrático brasileiro.

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