quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

A imprensa e a liberdade de opinião

Virou quase um tabu a aplicação do artigo 224 da Constituição. É só falar em um Conselho, em controle social, em verificação das concessões, que há uma grita geral. Se há submissão ao segredo de justiça, afirma-se a censura pelo Judiciário...
Pois tivemos aqui nas araucárias um exemplo de como a imprensa vê a liberdade de opinião (alheia). O Dr. Célio Heitor Guimarães teve sua voz calada por manifestar uma opinião não conveniente. Calada, porém, apenas nos grandes meios.
Aqui abaixo seguem sua mensagem de despedida e sua coluna, na íntegra, sem censura.


Aos nobres componentes do Grupo dos 15 (universo de leitores da coluna dominical de Célio Heitor Guimarães em "O Estado do Paraná":


Provavelmente, ninguém notou, mas há duas semanas não sai a minha coluna. Eu estava viajando, sim, mas isto nunca impediu que ela fosse enviada e publicada. O fato é que deixei "O Estado do Paraná".

Jactava-me de, em 23 anos de constante atuação, nunca ter sido censurado. No domingo 23.01, fui. Quer dizer, encaminhei a coluna na sexta-feira, como de praxe, ao Chico, diretor de redação. No final da tarde, recebi, via e-mail, o recado dele de que precisava falar urgentemente comigo. Telefonei-lhe e soube que a direção geral do jornal pedia alterações no texto. Motivo: O Dr. Paulo, dono da empresa, estaria pretendendo transformar "O Estado" em edição exclusivamente virtual, a circular apenas pela internet, e como iria pleitear o opoio ($$$) do menino Richa, recém instalado no Palácio Iguaçu, qualquer crítica a ele criaria problema nas negociações. Não concordei com a mudança do texto, claro. Pedi ao Chico que não publicasse nada.

Na segunda-feira, avisei que estava encerrando a coluna, porque não sei escrever sem liberdade ou como "pau-mandado". Agradeci ao Chico pelos anos de tolerância e apoio, que começaram com o pai dele, o inesquecível Mussa José Assis, o melhor jornalista na minha geração. Senti ter cumprido a minha missão, desbravando, aos poucos, com o devido cuidado, terrenos nunca pisados na imprensa paranaense (e nacional, de um modo geral), verdadeiros solos sagrados, intocáveis e infensos a críticas. Modestamente, fiz a minha parte e sou eternamente grato ao Mussa, ao Chico e, por que não?, também ao Dr. Paulo por isso. Chegou a hora de colocar o bacamarte na parede, sobre a lareira. Talvez eu seja o último (depois de Mussa, do Adherbal, do Valmor e do Chico Camargo) da turma da velha "Última Hora" de guerra a aposentar as chuteiras. Tem, é claro, o Mazza, mas este é eterno... e irá esbravejando para o túmulo. Comigo saiu o Chico Assis, legítimo e valoroso sucessor do pai Mussa.

Apláusos para o jovem Beto, que conseguiu o que FHC, Jaime Lerner, Giovane Gionedis, Campelinho, Lula, Requião, os homens da toga, os bingueiros, os conselheiros do colendo TC, os nobres parlamentares das várias instâncias e os corruptos em geral não conseguiram em duas décadas: calar o velho colunista. Fiquem de olho nele.

E recebam o meu afetuoso abraço. Foi a enorme honra tê-los tido como leitores e amigos durante esses anos todos. Quem sabe um dia ainda voltemos a nos encontrar em uma das esquinas da vida.

Paz e amor a todos.

Célio Heitor Guimarães

P.S. - Se alguém se interessar, a coluna derradeira, que deixou de ser publicada, segue no anexo.




CÉLIO HEITOR GUIMARÃES



VELAI TAMBÉM
POR NÓS, Rv.BETO!


Como Rubem Alves, eu também acho que a democracia é o ideal mais bonito que existe. É bonito porque se fundamenta na idéia de que o povo tem o direito de decidir sobre aqueles que o governarão e decidirão os rumos destes barcos em que navegamos e aos quais chamamos de Estado e País. E os partidos políticos, com os seus denominados “quadros”, ensina o mestre Rubem, são as tripulações que controlam as embarcações. O diabo é que elas têm os cascos furados, e cada nova tripulação promete consertá-los e navegar a portos seguros. Mas todas têm ficado apenas nas promessas.

            Sai partido, entra partido e tudo fica na mesma, quando não piora. Já aprendi que nunca se deve dizer que pior não pode ficar. Pode. E fica. Sobretudo quando o povo escolhe a tripulação errada. Aí, os barcos, daqui e de lá, não apenas emperram como correm o risco de naufragar. E nós, os passageiros, ficaremos não só a deriva, como sujeitos a nos afogarmos.
            Metáforas à parte, ando preocupado com as naus Brasil e Paraná. Não tanto com a primeira, que, a despeito da atual tripulação medíocre, começa a navegar em mar sereno, com a capitã recolhida a seus aposentos, traçando a rota, sem fazer marola, como era o costume de seu antecessor. É bom sinal. Queira Deus que não nos esteja preparando nenhuma surpresa!
            Mas a nau Paraná... O jovem comandante Carlos Alberto Richa parece que tomou o barco errado. Também escolheu mal a sua tripulação e, de repente, de capitão virou capelão. Até poderia ser chamado de Frei Beto, não estivesse o nome já ocupado por um ex-companheiro do velho marujo Lula da Silva, de outra frota. Então, deu uma de pastor missionário, compreensivo com suas ovelhas e piedoso com os pecadores. E essa conversão (ou revelação) nos causou um arrepio na espinha.
           
Ao tentar justificar a escolha de algumas figuras polêmicas (para dizer o mínimo) para cargos de relevância da administração estadual, recorreu à Bíblia e proclamou que é preciso perdoar o pecador, não o pecado. Uma bela (e ingênua) interpretação dos textos sagrados, que, no céu, desassossegou o velho José, seu saudoso pai, que saiu à procura de São Pedro para conferir se há pecado sem pecador.
            Ao retirar do ostracismo o urbanista Cássio Taniguchi e o arquiteto Lubomir Ficinski, da velha tropa de choque de Jaime Lerner; entregar as Relações com Investidores da Sanepar ao sr. Ezequias Moreira Rodrigues, que responde a dois processos abertos pelo Ministério Público – um por peculato e outro por improbidade administrativa; e conferir a direção de Relações Institucionais e Comunitárias da Companhia de Habitação do Paraná, Cohapar, ao advogado Nelson Cordeiro Justus, filho do ainda presidente da Assembléia Legislativa do Estado, um dos cultores dos diários secretos do legislativo paranaense, e também investigado pelo MP por improbidade administrativa, como presidente de uma tal bolsa de licitações e leilões, com atuação em prefeituras municipais do interior... Pois ao tomar tais iniciativas, entre outras, o menino Richa colocou em suspeição boa parte de seu governo logo depois de desatracar do porto.
            Para ele, basta que o pecador reconheça que pecou e se arrependa do pecado ou que este tenha sido cometido antes do novo capitão ter assumido o leme da embarcação. Pecados anteriores não contam. Tal qual um de seus mentores, o inesquecível Jaime Lerner, Beto acha que antes dele nada existia. Ou o que existiu não conta. E é aí que mora o perigo. A condução da nau Paraná vai nos obrigar a uma atenção especial. A despeito de o governador afirmar que será intransigente com a corrupção, os furos do casco poderão aumentar e irmos todos ao fundo. Até porque, mesmo que venha a combater a corrupção, a atual teologia do perdão de sua excelência poderá levá-lo a punir os eventuais pecadores apenas com a oração de dois pais-nossos e duas ave-marias.
            Valha-nos a misericórdia divina!
           
celioheitor@yahoo.com.br

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